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O Céu da União não é verde

O projecto Céu Único, disfarçado com objectivos ecológicos, trata-se de um crime cujo planeamento tem sido cuidadosamente escondido dos povos, como é costume, e que ainda pode e deve ser travado.

Centro de controlo de tráfego aéreo de Lisboa da Navegação Aérea de Portugal (NAV) no aeroporto de Lisboa (imagem de arquivo)
CréditosManuel de Almeida / LUSA

Há muitos anos que a União Europeia (UE) tenta impor o Céu Único. Um projecto federalista sempre derrotado pela luta conjugada dos trabalhadores do sector com camadas mais patrióticas de vários Estados membros da UE (e algumas alianças de, chamemos-lhe, «geometria variável»).

«À frente dos objectivos publicamente assumidos passou a estar o facto de que a prometida optimização das rotas contribuiria para a redução das emissões de carbono. A hipocrisia é evidente, e torna-se patente o quanto a etiqueta ecológica é usada pela União Europeia para promover projectos que nada têm a ver com a ecologia»

Como quase todas as políticas impulsionadas a partir da União Europeia, eram de dois tipos as vantagens que esta pretendia obter com a concretização do Céu Único. As vantagens que eram publicamente reconhecidas, e que se prendiam com a redução de custos para as companhias aéreas, obtida a partir de uma redução das taxas cobradas alcançada, por sua vez, pela redução do número de trabalhadores no sector à escala europeia, pela optimização das rotas e pela significativa redução dos salários no sector (consequência da precarização e da limitação da capacidade de luta dos controladores). E as vantagens (para as forças federalistas) nunca formalmente reconhecidas, mas que são objectivos sempre presentes no processo de integração europeia, pois o Céu Único contribuía para a liquidação de mais um aspecto da soberania nacional e a mercantilização do controlo aéreo contribuía para o processo de centralização e concentração de capitais à escala europeia.

Agora, o mesmo projecto aparece disfarçado com objectivos ecológicos. À frente dos objectivos publicamente assumidos passou a estar o facto de que a prometida optimização das rotas contribuiria para a redução das emissões de carbono. A hipocrisia é evidente, e torna-se patente o quanto a etiqueta ecológica é usada pela União Europeia para promover projectos que nada têm a ver com a ecologia.

«o Regulamento para o Céu Único, que está actualmente em discussão no Parlamento Europeu, impõe que parte das funções hoje executadas pela NAV sejam entregues a operadores privados, criando um gigantesco e complexo mecanismo regulatório [...] cujo objectivo central é impor a privatização parcial ou total do sector»

Neste caso, a etiqueta ecológica nem sequer corresponde a uma qualquer potencial melhoria no ambiente. A demonstrá-lo está o facto de hoje, a Navegação Aérea de Portugal (NAV), a empresa pública portuguesa que assegura o controlo do espaço aéreo nacional, já praticar a optimização das rotas para os voos que nos sobrevoam, promovendo a máxima poupança de combustível e o atravessamento directo do território, para o que não foi necessário o Céu Único. A optimização de rotas pode ser alcançada através de mecanismos colaborativos e do incremento da capacidade operacional de alguns operadores nacionais, não necessita das regras do Céu Único.

Um acontecimento recente veio ilustrar igualmente o quão hipócrita é esta missão ecológica europeia. A mesma União Europeia que quer destruir a NAV em nome da optimização das rotas, acaba de proibir o uso do espaço aéreo bielorrusso por razões políticas, obrigando milhares de voos a gigantescos desvios, com o correspondente aumento de consumo de combustível. Aliás, a descarbonização é uma justificação para o que a UE de facto quer fazer através do Céu Único – destruir a NAV e todos os instrumentos de soberania dos países periféricos – tanto como a democratização é a desculpa para o que a UE quer fazer na Bielorerússia - colonizá-la.

E se falamos da destruição da NAV é porque o Regulamento para o Céu Único, que está actualmente em discussão no Parlamento Europeu, impõe que parte das funções hoje executadas pela NAV sejam entregues a operadores privados, criando um gigantesco e complexo mecanismo regulatório – autoridades nacionais supervisoras, regulador europeu, gestor europeu da rede, separação das funções de controlo de rota e do acesso aeroportuário – cujo objectivo central é impor a privatização parcial ou total do sector, a sua desnacionalização (e não apenas na vertente da propriedade social das empresas), e depois colocá-lo na roleta dos concursos sistemáticos de fornecimento de serviço, para fazer baixar o preço da força de trabalho e ir centralizando a propriedade.

Um crime cujo planeamento tem sido cuidadosamente escondido dos povos, como é costume, e que ainda pode e deve ser travado.

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