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O RAP, o RIR e a Sanita Europeia

Boçal ignorância de quem a diz e de quem a escuta, sem perceber onde está o erro. Como se Portugal tivesse necessitado de entrar para a União Europeia para passar a ter casas de banho, sanitas, duches e redes de esgoto.

Créditos / SIC

É já um clássico do humor a realização de sketchs em torno do chamado debate dos pequenos partidos. O mais importante desses programas crónicos é protagonizado por Ricardo Araújo Pereira (RAP), até porque será o de maior audiência.

Este ano, um sketch teve particular destaque, tendo já sido utilizado mais que uma vez: a citação da candidata do RIR a «informar» que se temos sanitas tal se deve à União Europeia. E a malta ri-se, guiada pelo RAP, por se estarem a discutir sanitas em tempo eleitoral.

Mas não se ri do que deveria rir-se. Da boçal ignorância sobre a realidade nacional que esta frase transporta. Boçal ignorância de quem a diz e de quem a escuta, sem perceber onde está o erro. Como se Portugal tivesse necessitado de entrar para a União Europeia para passar a ter casas de banho, sanitas, duches e redes de esgoto.

Felizmente há quem faça e arquive estatísticas. Vejamos o que nos dizem os censos sobre esta matéria:

E esta estatística diz-nos algumas coisas interessantes. Por exemplo, que mesmo no tempo do fascismo, onde o atraso nesta e em tantas questões era muito grande, havia portugueses que tinham conseguido acesso a uma casa de banho no seu próprio alojamento, e um terço até tinham sanita e autoclismo. Não se sabe se copiaram a ideia de algum revista «europeia», ou se foram inspirados nalguma directiva da então CEE, mas a verdade é que o conseguiram mesmo sem a integração comunitária.

E a estatística mostra-nos mais. Que em pouco anos, a Revolução portuguesa de 1974, com um papel destacado de uma das suas conquistas – o Poder Local Democrático – vai arrumar com a situação de atraso nacional também nesta vertente, e que nos Censos de 1991 já 92% dos alojamentos tinham casa de banho privativa e 84% deles até tinham autoclismo. A Revolução vai democratizar o acesso ao saneamento, que antes estava limitado quer socialmente, quer geograficamente.

«Não se sabe se copiaram a ideia de algum revista "europeia", ou se foram inspirados nalguma directiva da então CEE, mas a verdade é que o conseguiram mesmo sem a integração comunitária.»

E o contributo decisivo para esta evolução não veio da recém-entrada na então CEE (1986) mas sim da Revolução portuguesa, do Poder Local Democrático, das conquistas de Abril, das portas que Abril abriu e tanto fizeram avançar a vida do nosso povo. Não foram os «fundos comunitários» que colocaram sanitas e saneamento na vida dos portugueses mais pobres. Foi uma revolução que fez com que uma parte maior dos recursos nacionais fosse investida a satisfazer as necessidades do povo português.

E, para terminar, uma última memória histórica: muitos portugueses, que, fugindo da guerra e da miséria a que o capitalismo monopolista levara Portugal, se dirigiram para França nos anos 60 aí encontraram as mesmas condições miseráveis nesse país da então CEE. Eram centenas de milhar a viver nos «Bidonville», nos bairros de barracas que ainda nos anos 70 enxameavam Paris tal como enxameavam Lisboa. «Bidonvilles» onde esses portugueses – precocemente na CEE por via da emigração – tão pouco tinham acesso a casa de banho, a sanitas ou a autoclismos.

Precisamos de começar a rir-nos, à gargalhada, descontroladamente, do verdadeiro provincianismo, que é aquele que afecta as mais refinadas elites portuguesas, que no fundo acreditam na superioridade de outros povos e países face ao nosso. Um provincianismo que reflecte e se reflecte na sua submissão ao imperialismo e às sucessivas directivas, regulamentos e ultimatos. Um provincianismo que também faz com que um homem de 50 anos, educado e inteligente, acredite que é graças «à Europa» que tem sanitas e casas de banho lá de casa.

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