Foram mais dez minutos na RTP com o púdico líder do Livre – na maior parte dos fóruns apresenta-se apenas como historiador – a atacar a direita, mas também a «esquerda», para defender um «parlamentarismo mais puro». Rui Tavares defende uma «maioria progressista», porque «a direita não se entende» e pode ser «um risco para a democracia», mas não percebe ou acompanha o que tem sido a actividade política da «esquerda» ou os seus desígnios.
Questionado sobre o porquê de haver uma inversão da votação desde a maioria absoluta do PS, Rui Tavares afirmou que «a esquerda tem que voltar a habituar-se a propor futuro, e isso não tem feito». Valia a pena perguntar que «futuro» propõe o Livre, apoiante do belicismo nuclear europeu, não fosse a falta de tempo ou o desinteresse (quiçá, simpatia com a resposta) do jornalista. E se a afirmação já tinha deixado muita gente incrédula, a tentativa de explicar também não ajudou.
Segundo o porta-voz do Livre, a «esquerda» tem estado na «defensiva», isto é, na defesa da democracia e dos direitos humanos e sociais. Algo que reconhece como «importante», mas de «tanto defender», acrescentou, tentando fazer uma analogia com o futebol, «acabamos a recuar». Rui Tavares aponta à «falta de ética» de Luís Montenegro e diz que este deve ser afastado. Mas, e apesar de reconhecer que a solução política que saiu das legislativas de 2015 permitiu, entre outras matérias, a recuperação de direitos sociais, e do fosso para onde as políticas de direita atiram cada vez mais famílias, que já não conseguem aceder a direitos essenciais, como a habitação, Tavares alega que, numa «lógica de calendário» (de quem?), é «demasiado cedo para uma nova mudança de ciclo político».
Será demasiado cedo para as crianças (e são cada vez mais) que vivem em privação material? Ou para os bebés retidos nas maternidades por falta de casa? Será cedo para os trabalhadores, nomeadamente da Administração Pública, que estão a empobrecer porque o aumento do salário não compensa o aumento do custo de vida? E para os idosos, que têm de optar entre a conta da farmácia e a do supermercado?
A tranquilidade do Livre confirma que convive bem com a degradação das condições de vida dos trabalhadores e dos reformados, sempre arredados das prioridades de quem nos governa e de quem dita as ordens a partir de Bruxelas, ou não fosse o «único partido de esquerda europeísta "por acção"», como já o descreveu o seu líder. Rui Tavares diz que «a esquerda tem de voltar a conquistar votos», como se «a esquerda» fosse um conjunto de partidos alinhados e com propostas idênticas. Foi graças à falta de respostas para o País que o governo PS de António Costa deixou de contar com apoio parlamentar, em 2021. Rui Tavares apelida a reivindicação de melhores políticas de «sectarismo à esquerda», afirmando esse momento como um dos mais «danosos» para o País e para a democracia. Tavares alinha assim no status quo com o falso argumento da «estabilidade» e pede pontes de entendimento entre partidos. Mas para fazer o quê?
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