A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), tem por missão «planear, coordenar e executar a política de proteção civil, designadamente na prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações e de superintendência da atividade de bombeiros».
A ANPC foi concebida para responder a um período de desordem no sistema de proteção civil, vivido nos primeiros 5 anos deste século. Teve como fonte inspiradora para o desenho da sua estrutura orgânica o impacto político dos incêndios florestais, de 2003 e 2005. Consagrou uma estrutura operacional para materialização de um comando único, deixando fora desta equação hierárquica e funcional o agente Bombeiros. Não definiu perfis para o exercício de cargos e funções. Deixou o sistema refém dos ciclos políticos e das opções dos seus protagonistas conjunturais.
No Relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) constituída para análise dos incêndios que ocorreram entre 14 e 16 de outubro de 2017 faz-se uma apreciação sobre os «diferentes agentes de proteção civil e das suas fragilidades atuais».
Referindo-se à referida catástrofe o relatório sublinha que «estes acontecimentos, pela rapidez e violência com que se desenvolveram, pela dispersão geográfica e pela simultaneidade da ocorrência de situações de proteção e de socorro em milhares de locais de dezenas de concelhos e vários distritos, conduziram (apesar de situações pontuais que terão decorrido de forma adequada), ao colapso geral do sistema de proteção e de socorro. Tal não se terá ficado a dever a situações pessoais, de falta de dedicação ou mesmo de abnegação, mas sobretudo à forma como os dispositivos estão organizados e o sistema está estruturado, que não estará devidamente preparado para situações catastróficas com esta dimensão e impacto».
Esta constatação constitui, por si só, matéria suficiente para que se proceda a uma avaliação criteriosa, serena e tecnicamente sustentada sobre o modelo organizacional e doutrinário da ANPC, dez anos depois desta ter sido criada.
Sabe-se que está em curso uma revisão da Lei Orgânica das ANPC, trabalhada no segredo dos deuses e, supõe-se, totalmente capturada pelo risco de incêndio florestal, como se a avaliação de risco do país se circunscrevesse a este.
Urge acabar com os equívocos e olhar de forma séria e competente para o sistema de proteção civil como um todo, dotando o serviço de tutela (ANPC) dos necessários recursos e competências, para que possa exercer em pleno a sua condição de responsável pela salvaguarda do cumprimento da função de soberania que, hoje mais do que nunca, a Proteção Civil tem de assumir.
A revisão agora em curso constitui uma rara oportunidade para corrigir erros e insuficiências do passado e fazer da ANPC aquilo que, para além do nome, nunca o foi. A atual ANPC não é uma autoridade. Veja-se, por exemplo – mau exemplo – a discrepância de interpretação, no domínio da segurança contra incêndios, que existe entre os seus serviços descentralizados (os CDOS), em que cada um tem as «suas leis/interpretações/requisitos» e em que os serviços centrais se mostram incapazes de definir, e garantir, uma atuação coerente e consistente.
Colocar a atual ANPC numa rota que lhe permita cumprir a sua efetiva função não é fazível num curto prazo nem com a simples revisão da sua Lei Orgânica. É necessário discutir o tema. É necessário criar carreiras de técnicos e de técnicos superiores de Proteção Civil e deverão ser estes, ao fim de algum tempo, a base de recrutamento dos quadros intermédios e dos dirigentes. Profissionais formados no (e pelo) sistema que assegurem o normal funcionamento e o cumprimento da missão da organização.
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