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Estado perde milhões com privatização da Justiça

Nos primeiros três meses do ano saíram dos cofres do Estado 661 milhões de euros em litígios com parcerias público-privado (PPP), decididos por via da arbitragem.

 A grande parte dos encargos do Estado é com as PPP rodoviárias
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O assunto tem vindo a ser denunciado por tribunais e juizes, nomeadamente pelo Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul que, num acórdão proferido em Abril sublinhava que «é o próprio Estado que se auto-vincula à arbitragem para a resolução de litígios, que envolvem dinheiros públicos, com as concessionárias».

Os juizes do TCA admitiam tratar-se de um «caso raro na Europa», ao mesmo tempo que julgavam «improcedente» o recurso apresentado pelo Estado da decisão arbitral que o condenou ao pagamento de 213 milhões de euros à Auto-Estradas do Douro Litoral.

Mas, curiosamente, lê-se no acórdão, as entidades públicas acabam por recorrer aos tribunais estaduais, com o Estado a «pedir a anulação da decisão dos árbitros a que decidiu recorrer», apesar de os tribunais não poderem reexaminar as decisões, de acordo com a lei da arbitragem voluntária aprovada pelo governo PSD/CDS-PP, na sequência de uma proposta elaborada pelo governo de José Sócrates.

O desinvestimento do Estado nos tribunais administrativos e fiscais tem levado a que, gradualmente, se desloquem competências destes para os tribunais arbitrais onde os interesses privados estão duplamente representados pelos árbitros – já que, nalguns casos, são clientes dos escritórios de advogados onde esses árbitros trabalham ou têm quota.

Por outro lado, o Estado prescinde de meios e de pessoal, optando por pagar milhares de euros a árbitros, e entrega nas mãos dos privados o exclusivo da arbitragem fiscal, nos processos até dez mil euros, e administrativa, até 150 milhões. Isto, apesar de o Estado perder 60% dos processos nos tribunais tributários, como atestou Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça do governo de Passos e Portas. 

Quem ganha com a privatização

Uma análise breve é suficiente para perceber como a privatização da Justiça é ruinosa para o interesse público. Um artigo publicado no Jornal de Negócios, em Abril, dava conta que, nos últimos anos, o Estado tem vindo a recorrer para os tribunais de decisões que lhe são desfavoráveis em processos que o opõem a concessionárias. 

O Túnel do Marão foi um dos exemplos apontados pelo periódico. Em Junho de 2015, o tribunal arbitral determinou que «o Estado teria de compensar a concessionária liderada pela Somague pelo valor das obras realizadas até à resolução do contrato, tendo em Dezembro desse ano sido definida a obrigação de o Estado restituir 46,9 milhões de euros, acrescidos de juros».

O navio Atlântida, construído nos Estaleiros de Viana do Castelo por encomenda do Governo Regional dos Açores é outro exemplo da rapina por parte de grandes grupos económicos, graças à arbitragem. A empresa pública foi condenada pelo tribunal arbitral a ficar com o navio, que seria imprestável, e a pagar uma indemnização de 40 milhões de euros à Atlânticoline.

Com a privatização dos estaleiros, o ferryboat foi vendido à Douro Azul, em Setembro de 2014, por 8,75 milhões. Poucos meses depois, a empresa de Mário Ferreira vendeu-o por 17 milhões de euros.

Entretanto, o PCP, que na anterior legislatura viu chumbada uma proposta de alteração à lei da arbitragem voluntária, volta novamente a esta questão com a entrega na Assembleia da República de um projecto de lei que proíbe o Estado de recorrer à arbitragem como forma de resolução de litígios administrativos e fiscais

Para os comunistas, é «inadmissível» que se submetam à arbitragem situações em que exista uma «manifesta desigualdade entre as partes ou em situações em que exista um interesse público a defender por parte do Estado», considerando que se existem tribunais públicos o Estado não pode dar o exemplo de não recorrer a eles.

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