Chegámos a esta cidade costeira no Norte do País, numa manhã cinzenta de Janeiro. Sem conhecermos muito bem a rede de transportes servida pela empresa Resende, sustentados apenas pelas informações das queixas que recebemos, escolhemos como primeira paragem, a 123, onde já havia uma fila com um número considerável de pessoas. O autocarro estava atrasado, disse-nos uma senhora. Nada de novo, quem anda neste tipo de transporte, seja onde for, já está certamente habituado.
Todavia, cerca de 20 minutos depois, lá veio o autocarro multitcolorido da Resende. Após termos entrado e procurado um lugar, metemos conversa e perguntámos se o atraso era habitual. Tivemos logo uma resposta. «Ora bem, isto já dura há muitos e longos anos. Eu moro em Angeiras e antes viajava nos transportes Maia, que também era um transporte caríssimo. Depois veio a Resende e ocupou o serviço em Angeiras. A partir daí comecei a andar na Resende.
Já nessa altura as camionetas avariavam pelo caminho. Ando na 123, que é um caos. Certa vez, um passageiro teve mesmo que amarrar uma porta com uma corda». O relato é de Agostinha Silveira, empregada numa empresa de limpezas, que nos fala da carreira 123 e logo nos explica «que são duas camionetas, que fazem mercado, bairro da Biquinha, Senhora da Hora, Estádio do Mar, Cruz de Pau e Seara». E, enquanto limpa os óculos, remata pausadamente: «É por isso que eu digo que a Resende usa e abusa de nós, dos utentes. Nós precisamos dos transportes e pagamos bem por isso. E não é só de nós, também abusam dos trabalhadores».
Já Laura Branquinho, reformada, sentada ao lado, acrescenta que esta carreira não é a única e que o mesmo se passa na 122, onde também costuma viajar.
«Ando na 122, onde por exemplo a porta de trás não abre. Quando as pessoas da feira entram com os carrinhos, então é a maior confusão de todos os tempos. Não há condições, nem para transportar crianças nem pessoas com deficiência», afirmou.
A ideia foi reforçada por Miguel Sousa, também ele reformado, sentado com a sua bengala entre as pernas, que salientou a dificuldade em se deslocar. «Ao sábado é mesmo para esquecer. Então quando passa a feira da Senhora da Hora, as pessoas vêm todas com os carrinhos e é todo um estardalhaço».
«Como a porta de trás não abre, fica tudo entupido e é quase impossível alguém se mexer. Atrás até há mais espaço, mas assim, com os sacos e carrinhos, é muito complicado. E como esse andam muitos outros durante meses», explicou.
Por sua vez, Jacinta Santos, enfermeira, deu uma achega relatando que «ainda na semana passada houve uma camioneta que ficou sem gasóleo a meio da carreira na 123».
Após umas breves perguntas, rapidamente dentro do autocarro surgiram pessoas a querer falar, cada uma para contar a sua história, muitas até semelhantes. O ambiente mais parecia o de uma competição, para ver quem tinha apanhado pior.
Saídos do autocarro, já na rua, Agostinha conta que num certo dia chuvoso entrou na 123 e «estava o motorista, coitado, a conduzir com a janela partida enquanto chovia imenso. Foi o cúmulo! Um motorista dentro do autocarro estar a levar com a chuva como se estivesse na rua. Furiosa, saí e liguei para a Resende a reclamar».
«Descasquei tanto, disse tudo o que se estava a passar e que era uma vergonha terem o senhor a trabalhar naquelas condições. Acabei a dizer que não queria voltar a ver aquilo, que tirassem a camionete de circulação. Não sei se foi por ter ameaçado contar tudo mas por acaso tiraram», disse.
Partimos para Matosinhos já com conversa marcada com o vereador da Câmara Municipal que tem o pelouro dos Transportes e Mobilidade, nesta autarquia presidida pela socialista Luísa Salgueiro. Assim, no seguimento do contacto com os utentes, fomos ao encontro de José Pedro Rodrigues, o único vereador da CDU eleito no executivo municipal de Matosinhos, que aceitou o desafio de se sentar connosco, ao fim da tarde, no café do jardim municipal para nos falar das mudanças que vão afectar os transportes e a mobilidade no concelho e, desta forma, melhorar o dia a dia das pessoas.
O que é que se está a passar em Matosinhos?
Quando assumimos a responsabilidade deste pelouro em Matosinhos, tínhamos consciência de que precisávamos de enfrentar um problema com décadas de críticas acumuladas, justas, devido à falta de qualidade do serviço público de transporte prestado pela operadora privada.
Essa falta de qualidade revelava-se nos problemas com o material circulante, com muitos incidentes e acidentes e falta de asseio, mas o que mais incomodava os utentes e gerava desconfiança e insegurança no serviço era o incumprimento dos horários, sobretudo na hora de ponta da manhã.
A nossa preocupação, ao assumir esta responsabilidade, foi começar a mudar a agulha, promover transformações, melhorar o serviço público e procurar dar confiança às populações.
A que melhorias se refere?
Desde logo impusemos o alargamento do passe Andante a toda a rede. Fomos o único município a impor esta medida e temos consciência da importância que teve e tem para todos os utentes que passaram a poder usar um só título de transportes para todos os operadores que circulam em Matosinhos. Significa uma poupança para muitas famílias de dezenas de euros por mês.
Procedeu-se também à melhoria da rede, com a extensão de uma linha, a 119, permitindo que toda a população do Norte do concelho passasse a ter um serviço ligado à rede de metro na estação do aeroporto e a criação de uma nova linha, a 124, para servir sobretudo Santa Cruz do Bispo, uma freguesia de Matosinhos que não tinha ligação ao hospital público. E também garantimos que a rede era ajustada em duas das suas linhas para passar a servir duas comunidades, com muitos idosos, que não tinham transportes há mais de 20 anos. Uma delas em São Mamede de Infesta, na zona da Fonte dos Alhos e Leonardo de Coimbra, e uma outra na zona de Gatões, na freguesia de Custóias.
Além disso, impusemos a renovação da frota para que seja dada mais segurança e qualidade à operação e condicionámos a emissão das autorizações provisórias ao operador, em função do cumprimento destas medidas.
E como reagiram os moradores?
É importante dizer que logo depois das eleições de 2013, quando a CDU recuperou o vereador e passou a abrir o gabinete na Câmara às segundas-feiras à tarde, uma das primeiras visitas foi de uma moradora da zona da Fonte dos Alhos, que apresentou um abaixo-assinado com centenas de assinaturas, que teria talvez mais de dez anos, a pedir transporte público para aquela zona.
Aquilo que lhe dissemos foi que a partir do momento em que fosse possível e o Município tivesse condições para impor essa alteração, seria dos primeiros problemas a ser resolvidos. E a verdade é que se conseguiu concretizar a justa expectativa desta comunidade. O mesmo se veio a concretizar com a população a nascente da Rua de Gatões. Daí, por um lado, o sentimento do ponto de vista das populações de que valeu a pena o contacto, de que valeu a pena insistir e lutar e, por outro, do ponto de vista dos eleitos da CDU, a confirmação da importância de ter esta porta aberta para ouvir os munícipes mas também para batalhar para concretizar as suas aspirações.
Para quem olhe de fora, parece ser pouco…
Pode-se pensar que são medidas pequenas ou pontuais, mas a verdade é que, de facto, nos últimos 30 anos o transporte público desapareceu de muitas zonas do concelho. E neste mandato voltou a crescer, aumentaram-se quilómetros de serviço e levou-se o transporte a zonas de onde tinha desaparecido e a outras onde nunca tinha estado. Estes foram os primeiros passos na melhoria da rede e do serviço; naturalmente a expectativa é que se sigam outros.
Mas na verdade, apesar de avanços em algumas áreas, os incidentes e acidentes continuaram, com origem na falta de qualidade dos veículos, problemas ligados à sua manutenção, incumprimentos de horários associados à falta de motoristas para garantir o serviço autorizado, enfim, um conjunto sério de problemas que, perante a reiterada falta de resposta do operador, levou o Município a uma medida radical: não renovar a licença da operadora Resende para além de 2018 e mudar de operador em Matosinhos.
E, esclarecendo, quem era o operador em 2018?
O operador privado predominante em Matosinhos há mais de 50 anos são os Transportes Resende.
E qual foi a alternativa?
A alternativa teve de ser encontrada em seis meses e passou pela criação de uma nova sociedade, a ViaMove, com uma participação maioritária do grupo Barraqueiro (51%) e uma posição minoritária (49%) da actual operadora, a Resende. No fundo, significou encontrar um parceiro que aceitasse corresponder ao quadro de dificuldades que se encontrava em Matosinhos e garantir o investimento necessário à melhoria do serviço.
A nova sociedade, licenciada para garantir a operação a partir de 1 de Janeiro deste ano, abriu um processo de recrutamento para contratar mais 30 motoristas e comprometeu-se a introduzir mais dez viaturas na operação de Matosinhos, quatro novas e seis seminovas, e a controlar o processo de recondicionamento das viaturas da actual operação que têm condições para fazer serviço.
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Com esta nova solução quais são as novidades para os utentes?
Está a ser trabalhada a criação de uma linha de transporte público na via Norte, servindo algumas das principais unidades empresariais do concelho naquelas imediações, ligando-a à estação de metro da Trindade, no Porto. Trata-se de uma linha que servirá dezenas de milhares de trabalhadores, que hoje não têm transporte público à sua disposição e que vão passar a ter uma solução para as suas necessidades.
Vamos ainda introduzir um conjunto de melhorias do ponto de vista da informação aos utentes, como aplicações para calcular origens, destinos e horários, no sentido de ajudar os utentes no acesso ao serviço público de transportes.
Quais são as alterações materiais mais significativas?
No final deste período de transformação, queremos ter mais e melhores veículos, uma rede melhor e horários em que se possa confiar.
Não podemos melhorar em termos de custos de transporte porque Matosinhos já tem toda a rede integrada no tarifário Andante, acabando com o regime de exclusividade e de monopólio que o operador privado tinha em algumas das zonas do território, onde as pessoas tinham de comprar o passe do operador e depois também o Andante para na STCP ou no metro. Conseguimos que todas as linhas ficassem integradas no passe Andante e este é um aspecto que diferencia o sistema de Matosinhos de todos os outros sistemas dos municípios da área metropolitana do Porto.
Portanto, a partir de Abril tudo estará a funcionar?
Estamos a trabalhar para isso, e foi o compromisso que a nova operadora assumiu. Trata-se de transformações que vão acontecendo paulatinamente durante 2019: substituição de veículos; alterações nos postaletes e nos abrigos; introdução da aplicação com informação em tempo real e um sistema de bicicletas partilhadas, associado ao transporte público.
E como vai funcionar esse sistema das bicicletas?
Inicialmente vão ser disponibilizados cincos postos de bicicletas eléctricas partilhadas, que poderão ser usadas mediante a validação dos passes do operador. Como disse, é experimental, mas terá como objectivo permitir a quem usa o transporte público com regularidade aceder a estes veículos eléctricos para pequenas distâncias dentro da cidade, gratuitamente.
A expectativa é que em Abril tenhamos não só as bicicletas mas todas as transformações concluídas e que o novo sistema funcione em pleno. Evidentemente que é uma transformação muito significativa; estamos a falar de um operador que faz cerca de seis milhões de quilómetros por ano e um número semelhante de validações. É uma operação que abrange quatro municípios. O seu centro é em Matosinhos, mais vai à Maia, a Gondomar, ao Porto e a Valongo. E são muitas mudanças em pouco tempo.
Daqui vão resultar poupanças para os utentes?
Era isso que eu queria também sublinhar, que todos os passos que fomos dando, nomeadamente a integração noandante, permitiram às famílias poupanças significativas, nomeadamente as do Norte do concelho, muitas delas obrigadas a adquirir dois passes de transporte público e que passaram a poupar muito com a integração noandante.
Com os dados que temos disponíveis, só no 1.º semestre de 2018, associado à integração de toda a rede noandante, ultrapassaram-se os dois milhões de validações, o que é naturalmente um feito inédito. O ritmo de crescimento das validações do andante em Matosinhos foi muito superior ao da área metropolitana, o que comprova que a integração e a diminuição dos custos no acesso ao transporte é um estímulo importante para que ele cumpra a sua função e possa, de facto, ser uma alternativa para as pessoas gerirem as suas necessidades de mobilidade diária.
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