|Segurança Social

Governo compromete sustentabilidade da Segurança Social

O Governo está a utilizar receitas da Segurança Social para pagar as medidas relacionadas com a pandemia de Covid-19, sem transferir os valores compensatórios do Orçamento do Estado.

Uma pessoa aguarda para ser atendida no Centro Nacional de Pensões, no Campo Grande, em Lisboa, 12 de Março de 2014
CréditosManuel de Almeida / Agência Lusa

De acordo com a execução orçamental divulgada todos os meses pela Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças, de Janeiro a Maio de 2021, a Segurança Social já tinha suportado encargos relativos a medidas de combate à pandemia no montante de 1433,4 milhões de euros, dos quais 207,9 correspondem a receitas perdidas devido às isenções de contribuições concedidas pelo Governo às empresas, e 1225,1 a despesas pagas referentes às medidas de apoio às empresas e às famílias.

O sistema contributivo da Segurança Social, que paga as pensões de reforma, o subsídio de desemprego e o subsídio de doença, é financiado pelos descontos dos trabalhadores e pelas contribuições das empresas.

Estas correspondem a uma parcela do valor criado pelo trabalhador que ele não recebe directa e imediatamente sob a forma de remuneração, mas sim mais tarde, quando perde o seu rendimento por doença ou por perda de emprego (subsídio de doença ou de desemprego) ou então quando deixa de trabalhar (pensão de reforma).

A receita assim obtida também é utilizada para manter o poder de compra das pensões devido à degradação causada pelo aumento dos preços, ou seja, para actualizar as pensões.

Num estudo divulgado ontem, o economista Eugénio Rosa afirma que o Governo está a utilizar «indevidamente» estas receitas para pagar as medidas relacionadas com a pandemia de Covid-19, pondo assim em perigo a sustentabilidade do regime contributivo da Segurança Social e em risco, no futuro, quer o pagamento das pensões dos trabalhadores por conta de outrem, quer a actualização das pensões.

Transferências não estancam sangria do orçamento da Segurança Social

No Orçamento do Estado de 2020, o Governo inscreveu 2492,4 milhões de euros de transferências para o Orçamento da Segurança Social, para esta poder suportar as despesas das medidas aprovadas de apoio às empresas e às famílias devido à Covid-19 pagas através desta instituição.

No entanto, no Orçamento do Estado para 2021 apenas foram inscritos 647 milhões de euros para o mesmo efeito. Por sua vez, a Segurança Social já suportou, só até Maio de 2021, em apenas cinco meses, 1433,4 milhões de euros, dos quais 1225,1 correspondem a pagamentos referentes ao contexto epidémico, ou seja, praticamente o dobro do montante que consta do Orçamento do Estado.

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A Segurança Social e a crise Covid-19

A epidemia colocou no centro do debate político a saúde, a economia e as liberdades. A epidemia tem, porém, implicações globais, em particular, em todas as políticas públicas.

CréditosMário Cruz / Agência Lusa

A Segurança Social, essencial na mitigação dos efeitos sociais da crise, sofre um duplo choque. A crise económica associada à Covid-19, expressa na redução do emprego, no aumento do desemprego e na desaceleração do crescimento salarial, tem efeitos directos nas contribuições sociais, as quais constituem a base de financiamento do Sistema Previdencial.

Prevê-se que caiam 2,1% este ano, após uma dinâmica de vivo crescimento no período de 2016 a 2019. Prevê-se igualmente que a despesa com o desemprego, que vinha a descer desde 2014, cresça 27%.

Por outro lado, as medidas de política Covid-19 têm passado sobretudo pela Segurança Social. Estima-se que a Segurança Social receba do Orçamento do Estado (OE) cerca de 2,5 mil milhões de euros (MM€), um valor que representa 1,3% do PIB.

Esta verba engloba, quer compensações por perdas de receitas contributivas, quer despesa directa. E nesta contam sobretudo as verbas relativas aos regimes de suspensão de contratos de trabalho ou de redução do período normal de trabalho (vulgo, lay-off) e aos apoios à actividade dos trabalhadores independentes, as quais representam 85% de um total de perto de 2 MM€.

Trata-se essencialmente de apoios destinados a financiar salários (ou seja, do pagamento pela Segurança Social de encargos salariais), no âmbito de regimes de lay-off, que, com frequência, são apresentados à opinião pública como apoios aos trabalhadores e não às empresas.

Esta contabilização não é inocente quando se pretende mostrar que as empresas têm sido preteridas nos apoios do Estado. A parte dirigida à melhoria da Segurança Social, através do reforço ou do prolongamento de prestações, tem sido diminuta. Por exemplo, as prestações de desemprego abrangem 3,7% do total da despesa com as medidas Covid-19, num contexto onde o desemprego registado sobe 95 mil desempregados entre Fevereiro e Setembro e a cobertura das prestações de desemprego só a partir de Abril tem uma pequena melhoria.

Ainda assim, a cobertura dos desempregados por prestações de desemprego era de apenas 53,6% em Setembro. Em suma, a prioridade (em Portugal, como na UE) tem sido a subsidiação dos salários, com vista a salvaguardar o emprego, intermediada pela Segurança Social. O que tem consequências nas contas desta.

«Em suma, a prioridade (em Portugal, como na UE) tem sido a subsidiação dos salários, com vista a salvaguardar o emprego, intermediada pela Segurança Social.»

 

É certo que o OE Suplementar e a legislação avulsa salvaguardam a compensação da Segurança Social através de transferências do OE, mas estas não têm sido feitas com regularidade.

Por exemplo, em Setembro havia transferências em atraso relativas a compensações por isenções de contribuições e a despesas com medidas Covid-19 (para além de transferências relativas a outras finalidades, como as relativas ao Adicional ao IMI, ao IRC e ao Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário).

Esta situação tem conduzido a fortes variações mensais do saldo da Segurança Social, que nalguns meses apresentou um défice expressivo, como aconteceu em Julho. A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social afirmou então que o défice «é temporário e deixará de se observar assim que se efectivem as transferências do OE para financiamento das medidas Covid-19, conforme previsto no Orçamento Suplementar».

Na realidade, não há défice, mas atrasos em transferências. Contudo, esta situação é lesiva da Segurança Social, porque transmite a ideia de dificuldades financeiras e de riscos de sustentabilidade do sistema aos utentes e à opinião pública. Resulta da Proposta de OE (POE) para 2021 e de declarações de responsáveis governamentais que todas as transferências serão feitas, mas, insiste-se, a situação presente não deixa de ter custos.

A pressão sobre a Segurança Social irá manter-se no próximo ano devido à conjugação de várias razões. Será necessário o reforço de protecção social, admitindo-se a aprovação de medidas nesse sentido, em áreas como as pensões, a protecção social de desemprego e o apoio ao rendimento, em resultado da discussão na especialidade da POE.

Algumas das medidas Covid-19 irão prolongar-se, parecendo irrealista a verba inicialmente prevista. E persiste, além disso, enorme incerteza sobre o início da recuperação económica. O Governo admitiu o começo do próximo ano, mas há poucos dias o economista-chefe do Banco Central Europeu apontou para finais de 2021, ou mesmo 2022 – o que pode tornar implausível um aumento das contribuições sociais de 5,2%.

Face a esta conjuntura, o Governo pretende afectar ao Orçamento da Segurança Social receitas consignadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), respeitantes ao Adicional ao IMI e ao IRC, para o financiamento do Sistema Previdencial.

A criação desta consignação teve em vista reforçar a capacidade de pagar pensões futuras do Sistema Previdencial, devendo-se cobrir pelo menos dois anos de encargos previsíveis com as pensões. Esta finalidade não foi até agora assegurada. Em Agosto, o Fundo representava um valor equivalente a menos de 18 meses de pensões, apesar da sua criação remontar a 1989 (há mais de 30 anos!).

A alternativa seria criar uma transferência extraordinária para compensar o Sistema Previdencial por uma situação de carácter excepcional e transitória, a exemplo, aliás, do que já ocorreu no passado, não se prejudicando assim o reforço do FEFSS.

Tipo de Artigo: 
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E dos 647 milhões de euros aprovados, o Governo apenas transferiu para a Segurança Social, até Maio de 2021, 269,6 milhões.

«É evidente que são os descontos dos trabalhadores e as contribuições das empresas para o regime contributivo da Segurança Social que estão a pagar, em 2021, as medidas da Covid-19, apesar das receitas do regime contributivo não se destinarem a esse fim», afirma o economista.

Eugénio Rosa alerta para a necessidade de um orçamento suplementar, que aumente significativamente as transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social, caso contrário a situação resultará num «enorme buraco» na sustentabilidade da Segurança Social.

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