De acordo com a execução orçamental divulgada todos os meses pela Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças, de Janeiro a Maio de 2021, a Segurança Social já tinha suportado encargos relativos a medidas de combate à pandemia no montante de 1433,4 milhões de euros, dos quais 207,9 correspondem a receitas perdidas devido às isenções de contribuições concedidas pelo Governo às empresas, e 1225,1 a despesas pagas referentes às medidas de apoio às empresas e às famílias.
O sistema contributivo da Segurança Social, que paga as pensões de reforma, o subsídio de desemprego e o subsídio de doença, é financiado pelos descontos dos trabalhadores e pelas contribuições das empresas.
Estas correspondem a uma parcela do valor criado pelo trabalhador que ele não recebe directa e imediatamente sob a forma de remuneração, mas sim mais tarde, quando perde o seu rendimento por doença ou por perda de emprego (subsídio de doença ou de desemprego) ou então quando deixa de trabalhar (pensão de reforma).
A receita assim obtida também é utilizada para manter o poder de compra das pensões devido à degradação causada pelo aumento dos preços, ou seja, para actualizar as pensões.
Num estudo divulgado ontem, o economista Eugénio Rosa afirma que o Governo está a utilizar «indevidamente» estas receitas para pagar as medidas relacionadas com a pandemia de Covid-19, pondo assim em perigo a sustentabilidade do regime contributivo da Segurança Social e em risco, no futuro, quer o pagamento das pensões dos trabalhadores por conta de outrem, quer a actualização das pensões.
Transferências não estancam sangria do orçamento da Segurança Social
No Orçamento do Estado de 2020, o Governo inscreveu 2492,4 milhões de euros de transferências para o Orçamento da Segurança Social, para esta poder suportar as despesas das medidas aprovadas de apoio às empresas e às famílias devido à Covid-19 pagas através desta instituição.
No entanto, no Orçamento do Estado para 2021 apenas foram inscritos 647 milhões de euros para o mesmo efeito. Por sua vez, a Segurança Social já suportou, só até Maio de 2021, em apenas cinco meses, 1433,4 milhões de euros, dos quais 1225,1 correspondem a pagamentos referentes ao contexto epidémico, ou seja, praticamente o dobro do montante que consta do Orçamento do Estado.
A epidemia colocou no centro do debate político a saúde, a economia e as liberdades. A epidemia tem, porém, implicações globais, em particular, em todas as políticas públicas. A Segurança Social, essencial na mitigação dos efeitos sociais da crise, sofre um duplo choque. A crise económica associada à Covid-19, expressa na redução do emprego, no aumento do desemprego e na desaceleração do crescimento salarial, tem efeitos directos nas contribuições sociais, as quais constituem a base de financiamento do Sistema Previdencial. Prevê-se que caiam 2,1% este ano, após uma dinâmica de vivo crescimento no período de 2016 a 2019. Prevê-se igualmente que a despesa com o desemprego, que vinha a descer desde 2014, cresça 27%. Por outro lado, as medidas de política Covid-19 têm passado sobretudo pela Segurança Social. Estima-se que a Segurança Social receba do Orçamento do Estado (OE) cerca de 2,5 mil milhões de euros (MM€), um valor que representa 1,3% do PIB. Esta verba engloba, quer compensações por perdas de receitas contributivas, quer despesa directa. E nesta contam sobretudo as verbas relativas aos regimes de suspensão de contratos de trabalho ou de redução do período normal de trabalho (vulgo, lay-off) e aos apoios à actividade dos trabalhadores independentes, as quais representam 85% de um total de perto de 2 MM€. Trata-se essencialmente de apoios destinados a financiar salários (ou seja, do pagamento pela Segurança Social de encargos salariais), no âmbito de regimes de lay-off, que, com frequência, são apresentados à opinião pública como apoios aos trabalhadores e não às empresas. Esta contabilização não é inocente quando se pretende mostrar que as empresas têm sido preteridas nos apoios do Estado. A parte dirigida à melhoria da Segurança Social, através do reforço ou do prolongamento de prestações, tem sido diminuta. Por exemplo, as prestações de desemprego abrangem 3,7% do total da despesa com as medidas Covid-19, num contexto onde o desemprego registado sobe 95 mil desempregados entre Fevereiro e Setembro e a cobertura das prestações de desemprego só a partir de Abril tem uma pequena melhoria. Ainda assim, a cobertura dos desempregados por prestações de desemprego era de apenas 53,6% em Setembro. Em suma, a prioridade (em Portugal, como na UE) tem sido a subsidiação dos salários, com vista a salvaguardar o emprego, intermediada pela Segurança Social. O que tem consequências nas contas desta. «Em suma, a prioridade (em Portugal, como na UE) tem sido a subsidiação dos salários, com vista a salvaguardar o emprego, intermediada pela Segurança Social.» É certo que o OE Suplementar e a legislação avulsa salvaguardam a compensação da Segurança Social através de transferências do OE, mas estas não têm sido feitas com regularidade. Por exemplo, em Setembro havia transferências em atraso relativas a compensações por isenções de contribuições e a despesas com medidas Covid-19 (para além de transferências relativas a outras finalidades, como as relativas ao Adicional ao IMI, ao IRC e ao Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário). Esta situação tem conduzido a fortes variações mensais do saldo da Segurança Social, que nalguns meses apresentou um défice expressivo, como aconteceu em Julho. A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social afirmou então que o défice «é temporário e deixará de se observar assim que se efectivem as transferências do OE para financiamento das medidas Covid-19, conforme previsto no Orçamento Suplementar». Na realidade, não há défice, mas atrasos em transferências. Contudo, esta situação é lesiva da Segurança Social, porque transmite a ideia de dificuldades financeiras e de riscos de sustentabilidade do sistema aos utentes e à opinião pública. Resulta da Proposta de OE (POE) para 2021 e de declarações de responsáveis governamentais que todas as transferências serão feitas, mas, insiste-se, a situação presente não deixa de ter custos. A pressão sobre a Segurança Social irá manter-se no próximo ano devido à conjugação de várias razões. Será necessário o reforço de protecção social, admitindo-se a aprovação de medidas nesse sentido, em áreas como as pensões, a protecção social de desemprego e o apoio ao rendimento, em resultado da discussão na especialidade da POE. Algumas das medidas Covid-19 irão prolongar-se, parecendo irrealista a verba inicialmente prevista. E persiste, além disso, enorme incerteza sobre o início da recuperação económica. O Governo admitiu o começo do próximo ano, mas há poucos dias o economista-chefe do Banco Central Europeu apontou para finais de 2021, ou mesmo 2022 – o que pode tornar implausível um aumento das contribuições sociais de 5,2%. Face a esta conjuntura, o Governo pretende afectar ao Orçamento da Segurança Social receitas consignadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), respeitantes ao Adicional ao IMI e ao IRC, para o financiamento do Sistema Previdencial. A criação desta consignação teve em vista reforçar a capacidade de pagar pensões futuras do Sistema Previdencial, devendo-se cobrir pelo menos dois anos de encargos previsíveis com as pensões. Esta finalidade não foi até agora assegurada. Em Agosto, o Fundo representava um valor equivalente a menos de 18 meses de pensões, apesar da sua criação remontar a 1989 (há mais de 30 anos!). A alternativa seria criar uma transferência extraordinária para compensar o Sistema Previdencial por uma situação de carácter excepcional e transitória, a exemplo, aliás, do que já ocorreu no passado, não se prejudicando assim o reforço do FEFSS. 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A Segurança Social e a crise Covid-19
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E dos 647 milhões de euros aprovados, o Governo apenas transferiu para a Segurança Social, até Maio de 2021, 269,6 milhões.
«É evidente que são os descontos dos trabalhadores e as contribuições das empresas para o regime contributivo da Segurança Social que estão a pagar, em 2021, as medidas da Covid-19, apesar das receitas do regime contributivo não se destinarem a esse fim», afirma o economista.
Eugénio Rosa alerta para a necessidade de um orçamento suplementar, que aumente significativamente as transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social, caso contrário a situação resultará num «enorme buraco» na sustentabilidade da Segurança Social.
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