A crise sanitária tem acentuados efeitos nas contas da segurança social. A recessão económica provocou desemprego e perdas salariais, com reflexos na queda das contribuições e no aumento de prestações sociais, sobretudo de desemprego. Somaram-se os efeitos resultantes das medidas tomadas para mitigar as consequências da epidemia, através de apoios às empresas, aos trabalhadores e às famílias (medidas Covid-19). Estas medidas tiveram em 2020 um impacto directo orçamental estimado em 4,6 mil milhões de euros (MM€), sendo perto de metade no âmbito da segurança social, segundo os dados da Direcção Geral do Orçamento (DGO).
Foi um verdadeiro choque sobre as contas do sistema, merecendo destaque a quebra de contribuições (-0,8%) e o aumento de 27,5% nas prestações de desemprego. Estes valores contrastam com uma evolução favorável no período 2016-2019, em que se verificou um aumento médio anual de 7% nas contribuições, uma forte redução da despesa com as prestações de desemprego e saldos positivos expressivos (acima de 2,8 MM€ em 2019).
As medidas Covid-19 no âmbito da segurança social estabelecem diversos apoios dirigidos à manutenção do emprego, à redução de laboração, às famílias devido ao encerramento das escolas, ao prolongamento de prestações de desemprego, aos subsídios por doença Covid ou por isolamento profiláctico, etc. Resulta daqui o aumento da despesa, a que se junta a perda de receitas resultante de medidas como a isenção do pagamento de contribuições. No total, temos um valor de 2,2 MM€. A isenção contributiva foi a medida mais importante do lado da receita enquanto o regime de lay-off simplificado, uma forma de subsidiação dos salários, representou mais de metade da despesa. As medidas foram sobretudo encaminhadas para as empresas, mas este é um tema que aqui não trataremos.
Receita | 583,6 |
Isenção de contribuições | 508,7 |
Despesa | 1621,6 |
Lay-off simplificado | 823,2 |
Apoio redução actividade TI | 280,0 |
Retoma progressiva de actividade | 158,7 |
Apoio excepcional família | 82,9 |
Isolamento profiláctico | 62,6 |
Complemento de estabilização | 58,3 |
Prorrogação desemprego | 53,8 |
Fonte: DGO; TI = trabalhador independente
Foi estabelecido, e bem, que o financiamento destas medidas fosse assegurado por transferências. Não seria justo que fossem apenas os trabalhadores, por via das contribuições sobre os salários, a fazê-lo. Mas as transferências foram feitas de modo errático, pelo que a execução orçamental apresentou durante vários meses de 2020 saldos negativos, transmitindo ideias erradas aos utentes e à opinião pública sobre as contas do sistema.
Dir-se-ia que a situação seria resolvida em 2021, até porque a Lei do Orçamento de Estado (OE) previu (artigo 144) essas transferências para «todas as medidas excepcionais e temporárias de âmbito orçamental, independentemente da sua natureza e alcance» e precisou que o «Governo transfere para a segurança social, até ao dia 10 de cada mês, a totalidade dos montantes por esta suportados em virtude das medidas referidas no número anterior, incluindo os relativos às isenções ou reduções de contribuições concedidas».
Contudo, o impacto das medidas Covid-19, antecipado no OE para 2021 (apenas 647 M€), é claramente insuficiente. O OE tem implícito que haverá este ano menores encargos com estas medidas. O montante atribuído destina-se sobretudo a financiar uma nova medida, o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores (400 M€), e o apoio à retoma progressiva da actividade (309 M€), estando previsto o seu financiamento através de transferências do OE e da União europeia (UE).
Contudo, ainda, a epidemia agravou-se a partir dos últimos dias de 2020, tendo irrompido uma rápida, mas intensa e mortífera, terceira vaga. A 28 de Janeiro deste ano foi atingido o maior valor de novos casos até agora registado (16 432). O país estava então num novo confinamento e com escolas encerradas. Em 15 de Janeiro tinham já sido publicados vários diplomas com um vasto leque de medidas de apoio que incluíram a alteração do regime de lay-off simplificado1 e a prorrogação do apoio extraordinário à retoma progressiva de actividade.
A despesa com as medidas Covid-19 ascendeu a 1596,4 M€ nos primeiros sete meses de 2021 enquanto a perda de receitas, causada sobretudo por isenções contributivas, somou cerca de 232 M€.
Receita | 231,8 |
Isenções contribuições | 203,0 |
Despesa | 1596,4 |
Lay-off simplificado | 366,6 |
Retoma progressiva de actividade | 473,1 |
Apoio extraordinário rendimento trabalhadores | 349,4 |
Incentivo à normalização actividade empresarial | 193,9 |
Isolamento profiláctico | 79,9 |
Subsídio por doença Covid | 61,8 |
Apoio excepcional à família | 51,0 |
Subsídios assistência a filho e neto | 17,1 |
Fonte: DGO
Temos um total de 1828 M€ enquanto as transferências do OE para financiar esta despesa ou perda de receita foi de apenas 471 M€. Ignoramos se houve outras transferências para financiar estas medidas. Se isso não tiver acontecido, como julgamos, o impacto no saldo foi de 1657 M€.
O saldo sofreu ainda o efeito da não realização de transferências relacionadas com o adicional ao IMI, a consignação do IRC e o adicional de solidariedade sobre o sector bancário, estando em causa um valor total que estimamos em 320 M€.2
Em Julho verificou-se um saldo negativo de 445,7 M€, um valor próximo do registado no mesmo mês do ano passado. Esta situação é o resultado de transferências em falta. Vale a pena salientar que as receitas de contribuições subiram 8,8% de Janeiro a Julho, um valor que excede a variação anual observada em 2019 (8,6%), ou seja antes da epidemia. E que tem vindo a baixar o ritmo de aumento da despesa com prestações de desemprego. Há, pois, uma recuperação em curso.
Concluindo, temos este ano uma situação pior que a verificada em 2020, apesar do que se estabelece na Lei do OE, e que urge resolver.
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