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A esquerda unida em França é para levar a sério?

Insubmissos, comunistas, ecologistas e socialistas vão ter candidatos comuns na primeira volta das próximas eleições legislativas em Junho. Podem ganhar as eleições e têm capacidade para mudar o país?

Tribuna do encontro das esquerdas em que foi fundada a Nova União Popular Ecológica e Social. 
CréditosCHRISTOPHE PETIT TESSON / EPA/LUSA

É só na terceira temporada de «Baron Noir», uma série política televisiva francesa, que Philippe Rickwaert, um homem político originário do Partido Socialista, consegue unir a esquerda numas eleições presidênciais, perante a ameaça de um candidato socialista que ameaça destruir a democracia, acabando com as eleições caso seja eleito.

Na realidade, é a primeira vez que as várias forças de esquerda concorrem juntas para a primeira volta das eleições legislativas francesas.

Um acordo que - ao contrário da Frente Popular, nos anos 30 - não advém do crescimento das lutas populares, mas por causa da progressiva desaparição da esquerda nas eleições francesas. Como se viu nas últimas presidenciais, cada vez mais o debate se faz entre a direita neoliberal e a extrema-direita.

Uma deriva que faz com que a esquerda vote, na segunda volta, nos liberais anti-sociais e anti-trabalhadores, para evitar a subida ao poder de uma direita xenófoba e racista, que tem paulatinamente tomado para si as reivindicações das populações mais pobres e trabalhadoras do hexágono, desde que sejam francesas.

Poderá esta frente quebrar com este enguiço e colocar a esquerda a representar os trabalhadores, os jovens precários, as mulheres, os agricultores e todas as causas progressistas independentemente da cor da sua pele e da sua origem nacional das pessoas que vivem na França?

Este é um desafio difícil, nas últimas eleições presidenciais, os bairros suburbanos da classe operária imigrante votaram maioritariamente Mélenchon, mas parte das classes populares, do interior francês, abandonado e desindustrializado, votou na extrema-direita.

Apesar destas dificuldades, este acordo já levou à reacção violenta das personalidades que ajudaram a enterrar a esquerda, como o último presidente socialista, François Holland, e o inegualável Conh-Bendit que acusa o acordo de ser o abandono dos ecologistas da «família democrática», em que inclui liberais e democratas-cristãos e uma «traição à Ucrânia».

Se há coisa que funciona como uma pedra de toque: é que sempre que há alguma coisa, mesmo que levemente de esquerda, a antiga figura mediática do Maio de 68 é contra.

Olivier Faure (Partido Socialista) ao lado de Marine Tondelier (Europe Ecologie-Les Verts, EELV), Julien Bayou (EELV) à direita de Mathilde Panot (La France insoumise), Sandra Regol (EELV) a algumas cadeiras de Fabien Roussel (Partido Comunista Francês): foram a fila da frente da convenção da Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), este sábado, 7 de Maio, em Aubervilliers. «Não há outra hipótese para além deste compromisso», assegurou Jean-Luc Mélenchon, o líder do Nupes.

Tudo foi feito para quebrar a imagem de um acordo assinado em papel celebrado apenas entre quatro homens e líderes partidários. Nos discursos, foi dado espaço às candidatas femininas e às da sociedade civil. A intervenção mais aplaudida foi sem dúvida a de Rachel Kéké, antiga líder da greve das empregadas e empregados do hotel Ibis em Batignolles, Paris: «Subcontratação são maus tratos, menosprezo, humilhação. Nós, empregados e empregadas do hotel Ibis des Batignolles, sofremos isto», disse ela. «Conduzimos esta luta à vitória, porque não ir até à Assembleia, nós somos os essenciais! É tempo do nosso trabalho e voz serem visíveis na Assembleia Nacional.»

"É a primeira vez"

O evento manteve a estrutura das reuniões presidenciais: depois dos oradores, foi a vez de Jean-Luc Mélenchon. O antigo candidato presidencial reivindicou o orgulho de se ter obtido esse acordo à esquerda: «Desde o início da história, desde sempre, é a primeira vez que há um acordo geral na primeira volta, em todos os círculos eleitorais. Não foi feito pelo Cartel das Esquerdas (Cartel des gauches), nem pela Frente Popular, nem pela Libertação, nem em Maio de 68, nem pelo Programa Comum. Conseguimos nós».

Para o antigo senador socialista, Jean-Luc Mélenchon, o seu resultado, de mais de 23% de votos, nas eleições presidenciais é o sinal da vontade dos eleitores por soluções mais radicais, e «assim que as outras forças mostraram que tinham recebido a mensagem, pudemos unir-nos».

Quanto ao futuro, ninguém o adivinha. Mesmo que os Nupes não obtenham uma maioria, os candidatos asseguram que esta aliança viverá muito tempo. O deputado comunista de Seine-Saint-Denis, Stéphane Peu, afirma: «a minha esperança é que os Nupes sejam uma coligação para trazer uma alternativa política para os próximos cinco anos, que quebrará o ímpeto da extrema-direita e do liberalismo extremo.»

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