Nos primeiros quatro meses de 2022 (de acordo com as únicas estatísticas oficiais disponíveis nesta data) registaram-se 9204 acidentes com vítimas, dos quais resultaram 130 vítimas mortais, 636 feridos graves e 10 701 feridos leves.
Comparativamente com o período homólogo de 2021, ano em que ainda se verificaram quebras na circulação rodoviária devido à pandemia Covid-19, observaram-se aumentos em todos os principais indicadores: mais 2626 acidentes (+39,9%), mais 56 vítimas mortais (+75,7%), mais 188 feridos graves (+42,0%) e mais 3272 feridos leves (+44,0%).
Em Portugal, o conceito de acidente rodoviário é definido como a «ocorrência na via pública ou que nela tenha origem envolvendo pelo menos um veículo, do conhecimento das entidades fiscalizadoras (GNR e PSP) e da qual resultem vítimas e/ou danos materiais» (ANSR, 2012).
A sinistralidade rodoviária e as suas consequências, ao nível das vítimas humanas, são seguramente o problema de saúde pública/segurança interna mais complexo com que Portugal se confronta, se atentarmos nos danos pessoais e humanos provocados.
É impossível eliminar totalmente a ocorrência de acidentes rodoviários. Mas sendo estes eventos de algum modo balizados no tempo e no espaço, contrariamente a outro tipo de riscos sociais, os seus efeitos podem ser mitigados.
O risco em ambiente rodoviário resulta da relação entre a perigosidade e a vulnerabilidade dos elementos expostos (condutor-veículo). Por isso é possível diminuir a sua ocorrência e/ou consequências tanto com a implementação de medidas de natureza preventiva de atuais e potenciais utilizadores da via pública, como através da organização e planeamento de mecanismos expeditos de resposta, a fim de assistir e socorrer as pessoas em perigo que neles se envolvem.
No ponto de vista da resposta do socorro, os acidentes rodoviários inserem-se em dois quadros sistémicos específicos: Sistema de Proteção Civil (SPC) e Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM).
O primeiro, tutelado pelo Ministério da Administração Interna, através da ANEPC, envolve a intervenção dos Corpos de Bombeiros. O segundo, tutelado pelo Ministério da Saúde, através do INEM, com meios operacionais próprios e/ou de entidades parceiras, acionados a partir do CODU.
Em face dos dados disponíveis quanto às vítimas (mortos, feridos graves e feridos ligeiros), parece-nos determinante que a saúde pública acompanhe de perto a sinistralidade rodoviária no país, considerando a sua magnitude, especificidades e consequências.
Há uma diminuição acentuada da gravidade dos sinistros, mas não da sua ocorrência, o que poderá indiciar que o sistema de transporte rodoviário vai melhorando a sua segurança, sobretudo nos fatores veículo, infraestrutura e socorro às vítimas, mas continua a revelar poucos progressos no que diz respeito aos fatores relacionados com o comportamento humano e à gestão do sistema de segurança rodoviária (organização, informação, legislação, fiscalização, sancionamento e controle).
Os dados que as estatísticas revelam continuam a ser preocupantes. Por isso é preciso concentrar o máximo dos esforços e consequentes recursos em todas as variáveis deste problema, nomeadamente através da permanente monitorização da qualidade do sistema de socorro e assistência às vítimas, enquanto variável determinante para o sucesso na missão de salvar vidas e minimizar os efeitos provocados pelos acidentes.
Nesta formulação encontramos plena justificação para se refrear qualquer excesso de triunfalismo face à verificação da tendência de diminuição de vítimas mortais e feridos graves.
Consideramos também pouco razoável – exceto na dimensão política do problema, tanto ao nível nacional como europeu, dada a necessidade permanente dos Governos apresentarem resultados às respetivas opiniões públicas – valorizar desvios (para mais ou para menos) de pouca relevância quantitativa, num problema com a dimensão humana e económica representada pela sinistralidade rodoviária.
A segurança rodoviária constitui uma problemática transversal, de natureza política, social e económica. Ela envolve uma diversidade de atores, relacionados, nomeadamente, com os transportes, a segurança interna, a proteção civil, a justiça, a saúde, a investigação científica, as ciências forenses, a engenharia, as concessionárias das vias, e muitos outros.
Na pesquisa que realizámos sobre esta matéria confrontámo-nos com uma significativa falta de estudos epidemiológicos que facultem a produção de informação operacional e estratégica, para sustentação duma segura base conclusiva, que se projete para além das evidências empíricas tornadas ciência nesta matéria.
Esta debilidade acrescentada à comprovada falta de especialistas dotados de conhecimentos específicos sobre segurança rodoviária indicia uma grande vulnerabilidade na tomada de decisões e de medidas ao nível da multiplicidade de entidades públicas e privadas com intervenção, direta ou indireta, nesta problemática.
Esta circunstância exige da parte do poder político uma mudança de paradigma na abordagem deste importante problema de segurança interna e de saúde pública. Urge abandonar a decisão empírica calendarizada por mandatos de legislatura, substituindo-a por uma ação política sólida e permanente alicerçada no conhecimento técnico e científico, de natureza multidisciplinar.
A sinistralidade rodoviária no país tem registado uma evolução positiva, ao longo dos últimos anos. Mas falta demonstrar que esta evolução resulta da eficácia das políticas adotadas neste domínio e não de fatores conjunturais, tanto ao nível do tráfego rodoviário como do comportamento dos condutores.
Este é o desafio que se deve colocar, tanto ao poder político como à comunidade científica.
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