A inflação galopante no custo de vida é marca de água na vida de quem vive dos rendimentos do seu trabalho. Após uma pandemia e durante uma guerra, a especulação e a falta de respostas do Governo contribuem para o agravamento das condições de vida da generalidade da população.
Numa altura onde se exigiam medidas à altura das circunstâncias, o Governo, optando por não taxar os lucros extraordinários ou colocar tectos nos bens de consumo, definiu a atribuição de apoios extraordinários com a receita extraordinária proveniente dos impostos recolhidos como uma das grandes medidas no seu leque de inação. No fundo não dá nada a ninguém, somente devolve o que foi recolhido a mais.
Na economia não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa e a inflação não é exceção. A inflação está na ordem do dia. Na União Europeia e em Portugal, ouvem-se mais uma vez os burocratas de serviço, travestidos de peritos em ciência económica, a clamar por uma contenção salarial. O argumento falacioso assenta basicamente na guerra da Ucrânia e no seu caráter temporário. Mais cedo ou mais tarde, a coisa volta à normalidade, com a inflação nos 2% como manda o BCE, e, nos entretantos, os trabalhadores perdem mais uma boa fatia do seu rendimento. Sucede que na economia, não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa. E a inflação não é exceção. Do lado dos que ganham, temos as grandes empresas que beneficiam da alta de preços mantendo os custos de produção, e acumulando assim os tais lucros anormais de que se fala. Outro ganhador é o Estado, que beneficia com receitas fiscais acrescidas, designadamente a partir do IVA que incide sobre os preços inflacionados. Fala-se num acréscimo de 10 mil milhões de euros a mais relativamente ao que estava orçamentado. Este número estará um pouco acima dos dados da OCDE que atribuem um acréscimo de receita de 0,6% por cada ponto percentual de inflação acima do previsto. Mas a inflação (não compensada) beneficia igualmente o estado por via da dívida pública. Voltaremos a este ganho que é significativo num próximo artigo. Os perdedores são, no fundamental, os trabalhadores e suas famílias. Mas mesmo deste lado, a inflação não atinge todas as famílias por igual. Como iremos ver, as médias tanto do lado da inflação como do lado do rendimento, escondem um padrão de desigualdade que não pode ser desvalorizado. Com base nos dados do INE, vamos decompor o cabaz de preços que serve de referência para o cálculo da inflação e verificar que nem todos os produtos evoluem da mesma maneira. Vamos ver depois que a composição do cabaz de consumo varia dos agregados mais ricos para os agregados mais pobres. Cruzando os dados, vamos verificar que a perda de poder de compra que decorre da inflação é mais pesada junto dos agregados mais pobres. Neste primeiro quadro colocámos em evidência o peso relativo das três principais categorias de bens essenciais que mais pesam no orçamento das famílias. Como seria de esperar, os produtos alimentares e os custos de habitação representam uma parcela maior nas famílias do primeiro quintil, que são as mais pobres.1 Podemos igualmente ver, na última coluna, que a inflação não foi a mesma nas várias categorias de bens. Apesar de termos uma inflação média homóloga em agosto de 8,94%, os preços dos bens alimentares, que representam uma maior proporção da despesa dos agregados mais pobres, aumentou bastante mais, tal como os custos associados à habitação. Com estes dados, usámos os valores da despesa dos agregados nos diferentes quintis e aplicámos os valores da inflação homóloga da Tabela 1 para calcular as perdas de rendimento em euros e depois calcular as perdas relativas de cada estrato. Só à conta daquelas três categorias de bens essenciais, as famílias mais pobres perdem cerca de 970 euros anuais. As famílias com maiores rendimentos perdem mais em valor absoluto, mas são menos penalizadas em termos relativos. Conforme pode ser visto no gráfico, as quebras de rendimento real em termos relativos são de 8,14% nas famílias do primeiro quartil. No lado oposto, verificamos que a quebra é de 6,04%. Confirmam-se aqui três coisas. Em primeiro lugar, as perdas de rendimentos são significativas. Note-se que aqui apenas contabilizamos três categorias de bens. Associando as outras, as perdas são ainda maiores. Em segundo lugar, as perdas de rendimento causadas pela inflação afetam de forma mais severa as famílias mais pobres porque os bens essenciais são aqueles onde a subida de preços é maior. Em terceiro lugar, confirma-se que as medidas propostas pelo governo ficam muito aquém do necessário para compensar as perdas dos trabalhadores e das famílias. Três boas razões para participar nas manifestações da CGTP, em Lisboa e no Porto, no próximo dia 15 de outubro! Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
A inflação não é igual para todos
1º quintil 2º quintil 3º quintil 4º quintil 5º quintil Inflação Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas 19,20 16,90 15,70 14,00 11,00 15,34 Vestuário e calçado 2,50 2,90 3,10 3,50 4,20 -1,57 Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis 35,10 34,30 32,80 31,60 29,60 14,92 1º quintil 2º quintil 3º quintil 4º quintil 5º quintil Despesa total anual média por agregado 11 911,12 € 15 395,12 € 19 630,00 € 24 414,00 € 34 115,12 € Perda de rendimento em euros - 969,92 € - 1 179,96 € - 1 423,86 € - 1 661,95 € - 2 059,80 € Perda relativa -8,14% -7,66% -7,25% -6,81% -6,04% Contribui para uma boa ideia
O pacote de ajudas intitulado «Famílias Primeiro» passa então por um «apoio excepcional» aos rendimentos dos titulares de rendimentos e prestações sociais no valor de 125€ para residentes em território nacional com rendimento bruto até 2 700€/mês; um apoio excecional a crianças e jovens de 50€, destinado a todos os dependentes em sede de IRS, aos beneficiários de abono de família e aos menores de 18 anos que estejam registados em agregados na segurança social; e passa por um complemento excecional a pensionistas no valor de 50% do valor da pensão paga em outubro.
Os valores, apesar de não serem de desprezar, uma vez que fazem falta a muitas famílias, são, no entanto, escassos na medida em que a prestação é única e a inflação não é só de um mês. Recorde-se que no mês de Setembro a inflação foi de 9,8% e o Governo prevê uma inflação de 4% para o próximo ano, algo que nem sequer vai de encontro com as previsões da OCDE (5,2%) ou do Conselho de Finanças Públicas (6,15). A isto acresce o aumento do salário mínimo nacional que será apenas de 5,1% que se materializa num aumento real, apenas nominal.
O apoio extraordinário fica aquém do que o Governo pode fazer, mas revela também as suas opções. Ao invés de aumentar salários de modo a acompanhar a inflação, o Governo administra um paliativo, pouco aumenta os salários do próximo ano e negoceia uma borla fiscal para as grandes empresas como moeda de troca para aumentos nos restantes salários.
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