«Compreenderam os motivos dos trabalhadores, mas isso não basta, precisamos de soluções. O Governo ficou de ver alternativas de emprego credíveis e viáveis para estes trabalhadores, mas não assumiu nenhum compromisso», disse à agência Lusa Fátima Messias, coordenadora da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (Feviccom/CGTP-IN).
Os representantes dos trabalhadores da Saint-Gobain Sekurit reuniram-se esta segunda-feira, no Ministério do Trabalho, com os secretários de Estado do Emprego e Adjunto do ministro da Economia para debater esta situação.
«Tentámos que o Governo tomasse medidas antes de a empresa formalizar o despedimento colectivo, mas não nos parece que isso vá acontecer», disse Fátima Messias após a reunião.
Enquanto decorreu o encontro no Ministério do Trabalho, os trabalhadores da Saint-Gobain estiveram concentrados junto ao edifício para protestar mais uma vez contra o encerramento da fábrica e o despedimento colectivo.
Durante a tarde reuniram-se em plenário, nas instalações da fábrica, para analisar o resultado das diligências feitas e definir a posição para a reunião com a empresa, esta terça-feira.
Com o anunciado encerramento da fábrica, Portugal perde o já pouco que restava da antiga Companhia Vidreira Nacional (Covina), privatizada em 1991 pelo governo PSD de Cavaco Silva. No total, são cerca de 200 os trabalhadores que vão perder os seus postos de trabalho: «130 do quadro de pessoal da Saint-Gobain Sekurit, mais cerca de 70 trabalhadores, de outras empresas prestadoras de serviços, sub-contratados», esclareceu ao AbrilAbril, Pedro Milheiro, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STIV/CGTP-IN). O processo de desmantelamento da antiga Covina é longo, levando agora a «machada final» se a multinacional Saint-Gobain levar avante a intenção de encerrar definitivamente a produção em território português. A fábrica seria convertida num armazém, sem necessidade de manter a mão de obra especializada. Os sucessivos anúncios dos défices orçamentais mais baixos de sempre são uma afronta a milhões de portugueses que se deparam com as insuficiências da resposta às suas necessidades mais básicas. «No ano passado, o investimento privado em Portugal foi o maior dos últimos 19 anos». A afirmação de António Costa não corresponde à realidade, mas tem o condão de enfatizar uma questão central para o desenvolvimento do país. O investimento, público e privado, é uma das condições fundamentais para elevar a produção, potenciar a criação de novas fileiras produtivas e responder às necessidades da população, seja na saúde, nos transportes, na escola pública ou, entre outras, na fruição cultural. O valor do investimento privado em 2017 foi inferior ao verificado em 2000. O investimento (também designado por Formação Bruta de Capital Fixo – FCBF), combinado com a força de trabalho, é o alimento da economia. Os níveis historicamente baixos que marcam a evolução da FBCF desde a adesão ao euro obrigam a um esforço adicional, planeado e direccionado tendo em conta os interesses nacionais, o desenvolvimento soberano do país, a criação de emprego e a redução da dependência face ao exterior. O contexto de cerceamento do investimento é diversificado, sendo várias as suas causas, constrangimentos e implicações. Na raiz está a opção de classe de sucessivos governos ao longo das últimas décadas. Por um lado, a privatização em massa das principais empresas e sectores, através dos quais o Estado intervém na economia, retirou da esfera pública os instrumentos necessários para lhe dar eficácia. A alienação da banca conduz, de forma crescente, a um «investimento» na especulação e actividades imobiliárias, em prejuízo dos sectores produtivos, menos rentáveis na lógica do lucro rápido. Sem financiamento não há investimento, pelo menos para a maioria das empresas nacionais, de micro e pequena dimensão. Outras vendas realizadas pelos governos de Cavaco, Guterres, Durão Barroso, Sócrates e Passos Coelho representaram, numa primeira fase, a perda para o Estado e, numa segunda, a perda para o País de unidades produtivas que encerraram e/ou fileiras produtivas que foram destruídas. Como exemplos concretos temos a redução da produção e variedade de produtos da siderurgia integrada, das indústrias de bens e equipamentos pesados, da indústria de construção naval, o definhamento da indústria química de base e o desaparecimento de parte significativa da indústria de defesa. Acompanhando a evolução das empresas privatizadas no sector industrial, verificamos que muitas estão nas mãos de capital estrangeiro, já encerraram ou estão reduzidas a um pequeno espectro. É o caso da Setenave e Lisnave, reduzidas à recuperação naval na Mitrena (Setúbal) e já sem a componente de construção naval; da Siderurgia Nacional, agora Lusosider, reduzida a uma fábrica no Seixal; da FESIS – Fábrica-Escola Irmãos Stephen – encerrada poucos anos após a sua privatização; da Covina (depois Saint-Gobain) com o desaparecimento da produção de vidro plano ou, entre tantas outras, da Sorefame, que significou a perda do fabrico de material circulante ferroviário. Assim, o investimento privado que fica nas mãos de grandes grupos económicos e financeiros estrangeiros está cada vez mais dependente e subordinado a estratégias de maximização de lucros e minimização de custos, da redução da produção hoje para a desmantelar amanhã, de despedimentos e contenções salariais. Como consequência, saem cada vez mais rendimentos para o estrangeiro sob a forma de dividendos, mas também juros, muitos dos quais livres de qualquer tributação fiscal no nosso país. Por outro lado, parte significativa do diminuto investimento público está amarrada aos fundos comunitários (77% do total realizado pelo Estado), que por sua vez respondem a uma agenda externa, que impõe constrangimentos crescentes a toda a despesa pública que não esteja, directa ou indirectamente, ligada com os interesses do grande capital, e que se tem traduzido em divergência económica e social com a média da UE e uma maior dependência do país face ao exterior. Somado, o investimento privado e público foi, em 2017, não o «maior dos últimos 19 anos», mas sim inferior ao realizado em 1996. Desta forma, o perfil produtivo de baixo valor acrescentado que caracteriza Portugal, não só não é alterado, como vai definhando à sombra de um ou outro caso de sucesso. No último executivo do PSD/CDS-PP, a situação atingiu dimensões que colocam em causa o presente e o futuro do País, numa situação que o actual Governo minoritário do PS não inverteu. O investimento realizado não é suficiente, sequer, para fazer face ao desgaste da capacidade instalada. A formação líquida de capital fixo, indicador económico que mede esta realidade, é negativa desde 2012 até ao final de 2017, situação com a qual o País não havia sido confrontado nos últimos 60 anos. Perante a deterioração anunciada na saúde e na educação, nos transportes ou na cultura, os sucessivos anúncios dos défices orçamentais mais baixos de sempre são uma afronta a milhões de portugueses que se deparam com o outro lado da moeda, com as insuficiências da resposta às suas necessidades mais básicas. Nas actuais circunstâncias, menos défice equivale a mais atraso, a novos adiamentos na ruptura com uma política de direita que conduz o País a uma situação insustentável. Neste contexto, não é de estranhar o caminho de degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, reflexo deste continuado desinvestimento, resultado da opção governativa. «Nas actuais circunstâncias, menos défice equivale a mais atraso, a novos adiamentos na ruptura com uma política de direita que conduz o País a uma situação insustentável» O estado a que chegou a CP é paradigmático a diferentes níveis. Desde logo, porque a aquisição de mais comboios vai implicar mais importações, uma vez que a produção nacional, outrora nas mãos do Estado, foi privatizada e desmantelada. Depois, porque reflecte a opção do actual Governo que, com o PSD e o CDS-PP, chumbou na Assembleia da República propostas do PCP para o investimento na ferrovia, em nome do sacrossanto défice. Mais, demonstra o cinismo e a hipocrisia de Cristas e Melo, que usam o estado da CP (para o qual deram um forte contributo) para advogar a sua privatização. A solução do CDS-PP para a CP é a mesma que encontraram para a ANA, a REN, a EDP, a TAP, o BPN, a Fidelidade, a EGF, a CIMPOR ou, entre outras, os CTT, empresas onde o Estado deixou de ter qualquer participação depois da opção do anterior Governo PSD/CDS-PP. Se, no início, foram apresentadas como sinal de desenvolvimento fruto da «excelência» da gestão privada e motor do investimento, as privatizações estão longe de atingir o resultado prometido de melhores serviços para as populações. O caso dos CTT é lapidar. Desde a privatização, a empresa distribuiu mais em dividendos do que gerou de riqueza. Com um resultado líquido acumulado, desde que é privada, de 238,6 milhões de euros, foram distribuídos mais de 269 milhões de euros para os accionistas. A taxa de rentabilidade (aquilo que recebe quem comprou acções) é de 7,4% ao ano. Contas feitas, em 12 anos estará reposto o investimento integral na compra dos CTT. Ao mesmo tempo, em linha com o que aconteceu noutros sectores e empresas alienadas, reduziu-se o número de trabalhadores, mas aumentaram aqueles que têm um vínculo precário, encerraram-se 59 postos de correio, 15 lojas e 50 centros de distribuição postal. O correio passou a ser entregue com menor regularidade. Fonte: Relatórios e contas dos CTT de 2014, 2105, 2016 e 2017 É este o significado das privatizações. Perdeu o País, os trabalhadores e as populações. Ganha o capital. O caso dos CTT pode ser expandido para as restantes empresas privatizadas, as mais importantes hoje cotadas no PSI20, que destinam 71% dos seus resultados para a remuneração accionista, ficando pouco, muito pouco, para o necessário investimento. As medidas necessárias para responder a esta situação não podem ser desligadas da urgência de o Estado recuperar os principais instrumentos para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, de se libertar das imposições externas que promovem uma sangria de recursos para o grande capital e da opção por uma política que tenha no desenvolvimento soberano do país o pilar central. «é preciso investir melhor e de forma integrada para impulsionar o desenvolvimento em todo o território nacional» Uma política articulada, que aumente salários e pensões, permita fixar a força de trabalho mais qualificada e desenvolva novas fileiras produtivas de maior valor acrescentado. Produzir mais, para dever menos e dinamizar a produção nacional. Uma política que liberte parte do que hoje está afecto ao pagamento da dívida para a melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, que tribute o capital e alivie a carga sobres os rendimentos de quem trabalha e trabalhou. Uma política de ruptura! Porque, sendo fundamental, não basta investir mais, é preciso investir melhor e de forma integrada para impulsionar o desenvolvimento em todo o território nacional. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A fábrica, situada em Santa Iria da Azóia, concelho de Loures, chegou a empregar mais de 1200 trabalhadores, antes da privatização, não restando hoje mais do que uma pequena fracção destes. Para além dos sucessivos despedimentos, o desmantelamento da antiga empresa nacional foi rapidamente encetada pela multinacional, que mandou encerrar, em 2019, o «forno float que produzia chapas de vidro plano, o único forno no País que as conseguia produzir». Sempre a pretexto de garantir o futuro da empresa, a Saint-Gobain avançou com um despedimento colectivo em 2013, a que se sucedeu o congelamento, durante três anos, dos salários. O plano, insistia a empresa, garantiria a sustentabilidade económica da produção do vidro automóvel em Portugal. Finalmente, vários anos volvidos, a única fábrica de produção de vidro automóvel, que tem como seu principal cliente a Autoeuropa (Com uma das maiores receitas de sempre em 2020), anuncia a intenção de encerrar definitivamente, não obstante todos os sacrifícios impostos, ao longo dos anos, aos trabalhadores. Ficou decidido anteontem, num plenário realizado à porta das instalações da empresa, reunir todos os dias, em concentração ou noutro tipo de acção, à porta da empresa, pelas 9h30, para «manifestar a revolta e o descontentamento com a decisão da empresa». O Presidente da Câmara Municipal de Loures (CML), Bernardino Soares, reuniu ontem com estes trabalhadores, expressando a sua «total solidariedade e disponibilidade para ser uma força activa na tentativa de encontrar soluções e resolver este problema que foi criado aos trabalhadores desta empresa», afirmou Pedro Milheiro. Consciente do papel fundamental que esta empresa representa para Santa Iria da Azóia, do concelho de Loures, e para o País, o Presidente da CML, «disponibilizou-se ainda para enveredar esforços junto do Governo para se encontrar uma solução» condigna. A empresa decidiu, entretanto, mandar parar a produção, « com o objectivo de criar nos trabalhadores a sensação de que isto é uma decisão irreversível, de que nada há a fazer, para criar um efeito psicológico que os leve a desistir da luta e da resistência». Os trabalhadores, contudo, estão determinados. «Esta é uma luta pela defesa dos nossos postos de trabalho e dos interesses do nosso País», assumindo-se preparados para impedir este «atentado contra os trabalhadores e as suas famílias, a produção nacional e a economia do País», pode ler-se no comunicado conjunto do STIV e da Feviccom/CGTP-IN (Federação dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro). Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
Saint-Gobain Sekurit: «Um crime contra os trabalhadores e a produção nacional»
Da privatização, rumo ao desmantelamento
Opinião|
Mais e melhor investimento – uma questão de opção política
O exemplo dos CTT
Evolução do número de trabalhadores
2013 2014 2015 2016 2017 ∆ % 13/17 ∆ # 13/17 Efectivos no quadro 11.730 11.527 11.365 11.247 11.122 -5,2% -608 Contratados a termo 653 593 692 902 1.041 59,4% 388 TOTAL 12.383 12.120 12.057 12.149 12.163 -1,8% -220 A exigência de uma política patriótica e de esquerda
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Da Setenave e Lisnave, da Sorefame à Siderurgia Nacional. A produção nacional não pode perder a Saint-Gobain Sekurit.
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Depois de concentrações junto aos ministérios do Trabalho e da Economia, estes trabalhadores manifestaram-se no sábado junto à residência oficial do primeiro-ministro, António Costa, para exigir a sua intervenção, tendo em conta o «crime social e económico» que o seu encerramento representa para o País. O processo negocial no âmbito do despedimento colectivo na Saint-Gobain Sekurit Portugal deverá ser encerrado hoje
Depois da última reunião para debater o despedimento colectivo, na passada sexta-feira, os trabalhadores consideraram que a empresa apenas tinha apresentado «perspectivas e não soluções», tendo reiterando a «irreversibilidade» da decisão de encerramento da actividade produtiva em Santa Iria da Azóia, no concelho de Loures.
Em Portugal, o grupo Saint-Gobain emprega cerca de 800 trabalhadores distribuídos por 11 empresas e oito fábricas e totaliza um volume de facturação correspondente a 180 milhões de euros. Antes da privatização, pela mão de Cavaco Silva, chegou a empregar mais de 1200 trabalhadores.
A decisão de encerramento da actividade produtiva da empresa e o consequente despedimento colectivo dos 130 trabalhadores foi anunciada no dia 24 de Agosto e desde então os trabalhadores têm-se concentrado diariamente junto à fábrica.
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