É preciso saber-se de onde se vem para se ir para onde se quer. Pode parecer uma daquelas afirmações próprias de «dinossauros» a que, nos tempos em que vivemos, muitos poucos ligarão alguma coisa. Na verdade, o que está a dar é exigir tudo para receber muito, pouco interessa de onde vem, quem pagou ou vai pagar.
As televisões, rádios e jornais estão, a toda a hora, cheias de gente que reclama contribuições a fundo perdido, para compensar as empresas dos prejuízos pela quebra da actividade ou encerramento durante o confinamento; mais a dispensa das contribuições sociais; a redução do IVA; o alargamento dos prazos para pagarem os impostos e empréstimos vencidos; mais e mais lay-off para os trabalhadores receberem menos um terço do salário e a segurança social pagar 70% dos restantes dois terços, e mais, e mais… tudo quanto vier é ganho.
«Avelino Gonçalves, ministro do Trabalho, Mário Murteira, ministro dos Assuntos Sociais e o primeiro-ministro Palma Carlos, assinam a 27 de Maio de 1974 o decreto-lei n.º 222/74, que cria a Comissão Coordenadora e as Subcomissões que irão avançar para a criação da nova Segurança Social»
Os capitalistas são os «donos privados»: do título de propriedade; da transferência e realização de mais valias; de negócios rendosos; lucros e benesses e, através dos governos socializam – põem-nos todos a pagar – os eventuais prejuízos e os investimentos de capital necessários à recuperação das empresas, de que são exemplos mais badalados o Novo Banco e a TAP.
Entretanto, cresce o desemprego promovido pelas empresas que, nos intervalos das leis, mandam embora os precários e todos os outros que podem descartar sem custos, como por exemplo na Petrogal, para os voltarem a recrutar quando deles precisarem para aumentar a produção e os lucros.
Ao mesmo tempo, milhões de euros da segurança social vão para as empresas, ao abrigo do lay-off simplificado, para financiar 70% dos dois terços do salário dos cerca de 1,2 milhões de trabalhadores, as vítimas colaterais da COVID-19.
Muita gente se interrogará sobre a capacidade da Segurança Social, que muitos há várias décadas anunciam como falida, de desembolsar tantos milhões de milhões para financiar empresas, se não é essa tampouco a sua função.
Na verdade, a Segurança Social pública, universal e solidária não está nem nunca esteve falida, apesar de há muitos anos estar alternadamente entregue à «digestão» de «boys e girls» do «bloco central». Aliás, ainda recentemente ouvimos, na televisão pública, o presidente da instituição anunciar que a segurança social tinha fechado o ano de 2019 com um saldo positivo de 2,6 mil milhões de euros e que o primeiro trimestre de 2020 apresentava igualmente um saldo largamente positivo. A solidez da estrutura deste sistema público tem resistido estoicamente a toda a sua delapidação gestionária, com os seus principais interessados, as organizações sindicais e os trabalhadores das instituições, afastados da gestão.
Quem, como eu, naquele Maio de 1974 de todas as esperanças, reclamou as primeiras medidas para a Segurança Social, em nome dos utentes contribuintes trabalhadores, tem, apesar de tudo, de se sentir recompensado e confortado com o resultado que está a frente dos «olhos de todos».
Segurança Social nasce com o DL n.º 222/74
Depois de algumas reuniões e reclamações sindicais (CGTP-IN), ancoradas nas reclamações preparadas para o chamado Congresso da Previdência de 1973 e nas posições e reclamações sindicais então formuladas, com reflexos nas teses do Congresso Oposicionista de Aveiro, Avelino Gonçalves, ministro do Trabalho, Mário Murteira, ministro dos Assuntos Sociais e o primeiro-ministro Palma Carlos, assinam a 27 de Maio de 1974 o decreto-lei n.º 222/74, que cria a Comissão Coordenadora e as Subcomissões que irão avançar para a criação da nova Segurança Social.
«a Segurança Social pública, universal e solidária não está nem nunca esteve falida, apesar de há muitos anos estar alternadamente entregue à "digestão" de "boys e girls" do "bloco central" (...) [e] tem resistido estoicamente a toda a sua delapidação gestionária, com os seus principais interessados, as organizações sindicais e os trabalhadores das instituições, afastados da gestão»
Nome do Autor, breve descrinção
Aliás, o decreto, na sua simplicidade, própria dum tempo em que era pouca a experiência e preciso fazer tudo bem e depressa, começa por afirmar a necessidade de «dispor de um quadro tão correcto quanto possível da actual situação financeira da Previdência Social, condição prévia para o desenvolvimento da nova política se Segurança Social que se pretende levar a cabo», considerando «muito positiva a participação dos beneficiários e do pessoal das instituições de previdencia social na formulação dessa mesma politica”.
A Comissão Coordenadora, presidida por um representante do ministro dos Assuntos Socais, integra dois representantes de cada um dos ministérios – dos Assuntos Sociais e do Trabalho –, dois das organizações sindicais (CGTP-IN), em representação dos utentes, e dois dos trabalhadores das instituições de Previdência.
As Subcomissões eram constituídas por um representante do Ministério dos Assuntos Sociais, do Ministério do Trabalho, das organizações sindicais (CGTP-IN) e dos trabalhadores da instituição.
Os representantes sindicais assumiram um papel determinante para fazer avançar o processo, com a bagagem que traziam dos debates dos congressos da Previdência e da Oposição em Aveiro. Com o apoio e participação activa dos trabalhadores beneficiários, a contribuição dos representantes dos trabalhadores das instituições e, nalguns casos, dos representantes dos ministérios, avançaram para a transformação do sistema de Caixas de Previdência, por profissão ou empresa, para a estruturação do sistema público, universal e solidário, em cuja «teta» hoje todos querem mamar, incluindo os seus inimigos figadais.
Isso permitiu aumentar os benefícios e melhorar substancialmente as prestações, integrar todos os trabalhadores, combater a fraude e a evasão contributiva, promover a inscrição dos trabalhadores e valorizar a segurança social, sob a palavra de ordem «A Segurança Social é nossa, não é do capital».
O sistema público universal e solidário de segurança social vem de Abril, dos seus valores e projecta-se como um pilar fundamental da qualidade de vida em comunidade dos trabalhadores e portugueses, no presente e no futuro de Portugal.
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