«O conflito imposto pelos Estados Unidos [à China] deve-se em parte ao declínio do controlo ocidental sobre a ciência e a tecnologia. Gradualmente, o controlo neocolonial sobre as finanças, recursos e ciência e tecnologia esgotou-se, mas a estrutura neocolonial mantém-se no que diz respeito ao controlo ocidental sobre os sistemas de armas e informações», disse Vijay Prashad, director do Instituto Tricontinental e editor-chefe do Globetrotter, na abertura da conferência «Comunicação como Solidariedade», organizada pela Escola de Comunicação da Universidade Normal da China Oriental, juntamente com outras entidades chinesas em Xangai.
Além de representantes de PressTV, TeleSur, RT e CGTN, o evento inédito contou com a participação de membros de órgãos de comunicação progressistas como Pan African TV, ArgMedios e Brasil de Fato, e mais de 100 investigadores e profissionais dos media de China, Índia, Gana, Zâmbia, África do Sul, Brasil, Rússia, indica o Peoples Dispatch.
Na sua intervenção, Prashad afirmou que as potências ocidentais têm o controlo quase absoluto sobre os sistemas de informação. «Esse controlo é exercido através da dominação ocidental da infra-estrutura, como cabos de fibra óptica, e redes humanas de produção de informações, e por via do poder ideológico dos media ocidentais estabelecidos durante os tempos coloniais».
Uma das anfitriãs do encontro, Lu Xinyu, directora do Centro Cornell de Humanidades Comparadas, da Universidade Normal da China Oriental, disse que o movimento em prol de uma nova ordem nos anos 1970 tentou resolver o problema do desequilíbrio na estrutura mundial dos media, mas falhou. «Assim, hoje, esperamos ter uma nova compreensão da questão: um dos aspectos é o domínio dos media pelo Ocidente. Isso exige que nós, os meios de comunicação e as organizações mediáticas do Sul Global, trabalhemos juntos», disse.
Alvos de sanções e censura pelo Norte Global
Em 2010, documentos do Departamento de Estado dos EUA divulgados pelo WikiLeaks revelaram que o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido tinha comunicado à Embaixada dos EUA no país que o governo britânico estava «a explorar formas de limitar as operações da PressTV».
No documento, a diplomacia britânica afirmava que a legislação nacional e internacional não permitiam retirar a licença à PressTV, mas que se podia abrir uma possibilidade se fossem impostas mais sanções ao Irão.
Em 2013, a licença do canal estatal iraniano acabaria por ser revogada no Reino Unido, alegadamente por ter violado a Lei das Comunicações do país. Nos anos seguintes, o canal iraniano sofreu diversos bloqueios nas suas contas do YouTube e Gmail, foi banido do Facebook e viu o seu site presstv.com confiscado; no final do ano passado, a operadora de satélite francesa Eutelsat decidiu tirar o canal do ar.
A diferentes níveis, muitas das organizações mediáticas estatais presentes no encontro têm vindo a enfrentar censura, bloqueios e sanções impostas pelos Estados Unidos e a Europa ou por governos de direita.
Um desses casos é a TeleSur. A plataforma multi-estatal já foi retirada da programação da Corporação Nacional de Telecomunicações, um canal estatal do Equador, em 2018, durante o governo de Lenín Moreno. Após o golpe de Estado de 2019 contra Evo Morales, na Bolívia, a empresa estatal Entel, sob o governo de facto de Jeanine Áñez, suspendeu a transmissão do canal fundado por Hugo Chávez.
Em 2021, o Reino Unido retirou a licença da CGTN com o argumento de que a emissora é controlada directamente por um partido político, o que não é permitido no país. Já a RT tem sido banida de todo o território europeu e de plataformas como o YouTube. A versão em espanhol do canal na plataforma de vídeos (propriedade da Google) tinha seis milhões de seguidores quando foi suprimida.
Não depender de «auto-estradas» emprestadas
Num debate sobre a procura de soberania para os media do Sul Global, a presidente da TeleSur, Patricia Villegas, defendeu a necessidade de os países desenvolverem plataformas próprias, como satélites, servidores e redes sociais.
«Os conteúdos que temos vindo a construir dependem de auto-estradas emprestadas, propriedade de outros, que definem e mudam as regras, nos bloqueiam quando querem, em função dos interesses que defendem. Por isso, se quisermos continuar a contar o que realmente acontece em cada um destes territórios, temos de lutar para construir as nossas próprias auto-estradas», frisou.
Para a directora do Brasil de Fato, Nina Fideles, a conferência tem uma importância histórica «pelo próprio facto de reunir, ao longo de dois dias, pessoas e veículos de media de diversos países, que puderam partilhar experiências e ideias sobre a comunicação do Sul Global».
«Além de termos tido a oportunidade de conhecer melhor a experiência chinesa em relação à comunicação e também ao modelo económico e social em curso e o seu papel na reorientação do cenário geopolítico global», acrescentou.
Por seu lado, Fred M'membe, fundador do The Post, na Zâmbia, disse que o encontro entre os diferentes meios de comunicação social foi pioneiro. Em seu entender, órgãos como TeleSur, RT e CGTN, entre outros, têm a grande responsabilidade de usar o conhecimento e os recursos que possuem para ajudar a criar novos media, uma nova forma de comunicação.
«Os nossos adversários, aqueles que querem continuar com as ideias de exploração e humilhação dos outros, estão a investir milhares de milhões em todo o mundo para consolidar as suas ideias de domínio do mundo», disse M'membe, que é também presidente do Partido Socialista da Zâmbia.
Media progressistas e pan-africanismo
Um dos eixos de debate da conferência foi o cenário dos media no continente africano, bem como a agenda do pan-africanismo. Kambale Musavuli, director da Pan African TV, considera que o pan-africanismo tem vindo a enraizar-se no continente e que o papel dos media progressistas é essencial para o projecto.
«Conseguimos alcançar o pan-africanismo a nível político unindo os países na União Africana, mas agora precisamos do pan-africanismo das pessoas. Onde estão as pessoas? Estão nas comunidades rurais, e para chegar a elas precisamos dos media, da rádio, da televisão, dos jornais. Estamos a usar os media, sobretudo a TV, para chegar ao povo em áreas remotas. Assim, recorrendo a rádios comunitárias, a televisões administradas por organizações progressistas, será possível disseminar essa visão de uma África unida sob o pan-africanismo», explicou Musavuli.
Kwesi Pratt Jr., fundador do canal, disse que a imagem e a história de África são permanentemente distorcidas pelos media hegemónicos. «Há uma histeria em todo o mundo que nos impede de escolher os nossos próprios amigos e decidir o nosso próprio destino. A realidade africana hoje é: aqueles que nos colonizaram e nos escravizaram estão a explorar e a roubar os nossos recursos para maximizar os lucros das corporações multinacionais, em vez de desenvolver África. Esta é a história que precisamos de contar e precisamos de a contar à nossa maneira, usando os nossos próprios instrumentos», disse.
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