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A grande Índia e a encruzilhada ultranacionalista

Os tempos que correm na Índia, sob o domínio político hegemónico do BJP, têm revelado a disparidade entre o que é proclamado politicamente por Narendra Modi e a prática seguida.

Narendra Modi após o encerramento da cimeira do G20, realizada nos dias 9 e 10 de Setembro, em Nova Deli 
CréditosRajat Gupta / EPA

Os meses de Julho e Agosto têm sido pródigos em cimeiras, reuniões, encontros e outros meetings em termos internacionais, todos para analisar e discutir numa visão parcelar ou global, os problemas que assolam o mundo e eventualmente encontrar soluções viáveis que afetem a sorte e o destino da humanidade. Como «nó górdio» ou «calcanhar de Aquiles» eleva-se a problemática da guerra na Ucrânia e sua colateralidade consequencial a afetar as economias de países envolventes, a que acrescem as instabilidades regionais que ocorrem um pouco por este mundo fora.

Eis assim que, a partir de 8 de Setembro vemos a Índia a patrocinar a Cimeira dos G20 – o clube de economias mais ricas do mundo, na mira de uma resposta à situação de instabilidade acima delineada.

A Índia, enquanto anfitriã dessa Cimeira, destaca-se sem dúvida como um país prestigiante no conserto das Nações, não só pela assunção de responsabilidade pela iniciativa assumida, como por estar a passar por um acentuado período jubilante pelo sucesso do lançamento e a atividade lunar do módulo – foguetão Chandrayaan -3, bem como por ter alcançado resultados assinaláveis na luta contra o problema de pobreza, até há bem pouco tempo quase endémica. O resultado assim atingido não pode deixar de ser notado considerando que a Índia conta, neste momento, com cerca de 1 420 000 000 de habitantes, ultrapassando numa certa margem a população da China, sendo por isso qualificada, na gíria política, como sendo a maior democracia do mundo.

Narendra Modi – primeiro-ministro e líder do BJP (Bharatiya Janata Party) – declarou na sessão inaugural da Cimeira que o objetivo do encontro é «assegurar o bem-estar e a felicidade da humanidade». E porquê? Bem, «vasudhaiva kutumbakam», ou seja, porque o mundo é uma família. Bonitas palavras essas, precisamente quando assistimos a olhos vistos a uma materialização crescente do ditado homo homini lupus (o homem é lobo do homem), em que uma boa parte dos países que participam na cimeira são precisamente os autores dessa voracidade, sob a capa de democracia.

A Índia faz parte desse clube, não talvez em termos de autoria, mas de complacência e adesão aos seus princípios e procedimentos. Este aspeto assume relevo face a uma China, contra a qual a Índia mantém um diferendo territorial, podendo facilmente descambar para o terreno ideológico ficcionado de dois «mundos» – ocidental/oriental.

«O original ideólogo da RSS, M.S.Moonji, foi grande admirador e defensor das milícias de juventude fascistas, aquando da sua visita a Itália de Mussolini em 1931.»

Os tempos que correm na Índia, sob o domínio político hegemónico do BJP, têm revelado a disparidade entre o que é proclamado politicamente por Narendra Modi e a prática seguida. Modi é membro do BJP, um partido nacionalista exprimindo a supremacia hindu. Baseia a sua vitalidade numa formação social denominada RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh), fundada em 1925, norteada por uma filosofia – a HINDUTVA – cujo princípio-base assenta na supremacia de valores religiosos do Hinduísmo em todos os aspetos da vida, incluindo a familiar, social, económica e política, vindo mesmo a advogar a independência da Índia em moldes de uma Nação com o predomínio exclusivo de valores do hinduísmo, decorrente do endeusamento do arianismo, com a consequente subalternização dos muçulmanos além de outras formações religiosas, que ficariam obrigadas a se submeter à regra ditada por aquela ideologia. 

O original ideólogo da RSS, M.S.Moonji, foi grande admirador e defensor das milícias de juventude fascistas, aquando da sua visita a Itália de Mussolini em 1931. Preconizou para tanto que a RSS assumisse uma formação hierarquizada e paramilitar, visando a implementação do Hindutva, veículo, diga-se de passagem, ideal para provocar sendo caso disso ou quando necessárias confrontações entre comunidades tendo a base religiosa como pano de fundo.

É ao Narendra Modi, quando ministro-chefe do Estado de Gujarat, que se atribui a responsabilidade por ter tolerado os distúrbios e a violência com mortes ocorridas naquele Estado em 2002 contra os muçulmanos. Mais recentemente, em 2023, semelhantes acontecimentos, desta vez também abrangendo cristãos e a destruição de mesquitas e igrejas, ocorreram no Estado de Manipur, sem que Modi se dignasse tomar posição crítica contra os confrontos, mortes e destruições comunalistas na Índia, que se vão acentuando cada vez mais. O dedo de Hindutva é apontado amiúde nestes acontecimentos.

Hoje a Índia pertence, sem dúvida, à categoria de um país que se desenvolve, onde, se a classe média cresce paulatinamente, a verdade é que ainda persiste a lembrança da maior greve ocorrida de centenas de milhares de agricultores indianos em 2021, em Nova Delhi, contra as medidas restritivas do Governo.

Não basta um Estado proclamar-se de democrático para o ser, pois, como lá dizia um cidadão nesse país «não consigo viver comendo o papel do voto», querendo com isto significar que a Democracia exige muito mais – o respeito materializado pelos direitos humanos, respeito pelos quais, como se viu, tem ainda um longo caminho a percorrer.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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