Perante a indignação que muita gente, que preza o regime democrático, sentiu após o debate de ontem entre dois candidatos à Presidência da República – um dos quais afirmou sem pudor que não gosta da Constituição –, é tempo de perguntar: qual o papel que a comunicação social de massas tem tido, por exemplo, na denúncia da ligação destes personagens a grandes grupos económicos, ao branqueamento de capitais e à corrupção?
Qual o critério que está subjacente aos temas discutidos num debate sobre o futuro Presidente da República, quando se omite deliberadamente, em plena crise social, económica e sanitária, questões em torno da saúde pública, ou do Serviço Nacional de Saúde?
Não é de hoje que as orientações dadas a redacções e jornalistas a partir de eixos de poder com pendor economicista promovem a destruição de parcelas da democracia. Para isso tem sido factor determinante a concentração, em grupos económicos privados, da maioria dos órgãos de comunicação social, que é inconstitucional, e por conseguinte inimiga da verdade e da democracia.
Mas tudo isto tem responsáveis. A realidade da concentração dos órgãos de comunicação social e plataformas de produção e divulgação de conteúdos tem tido o beneplácito de sucessivos governos de PS, PSD e CDS-PP.
Quando a isso se soma uma brutal exploração dos trabalhadores da comunicação social, a quem se perpetuam situações de precariedade, está feita a base de um caldo que compromete a democracia.
É ilustrativo olhar para o último ano e meio. Por um lado, o desenvolvimento de verdadeiras campanhas de promoção do medo e que, a pretexto da pandemia, atacaram quem mais defende os direitos e a democracia, de que são exemplo os ataques ao 25 de Abril e ao 1.º de Maio.
Ao mesmo tempo, constata-se o tempo de antena e centralidade dados a personagens que se promovem através de expressões populistas e «casos» fabricados. Tudo isto a par da confusão entre publicidade, entretenimento e informação e da exaltação da violência, da xenofobia, da corrupção, do tratamento diminuído de sindicatos e das lutas dos trabalhadores, do ataque aos «políticos» e à democracia, e da normalização de forças populistas.
E, para além dos conteúdos, os formatos também não são isentos: o comentário político que dita tudo como se fosse a verdade e não opinião, o desprezo de critérios jornalísticos como o contraditório e o pluralismo, ou a mistificação das notícias, das suas fontes e da sua contextualização, são disso exemplos.
A democracia prejudica-se se permitir a utilização, por forças que a atacam, dos seus instrumentos, nomeadamente a comunicação de massas, para se promover e para iludir os mais descontentes.
É que a História é esclarecedora. E sabe-se, a partir de uma das piores experiências vividas pela humanidade, que o fascismo cresce e vinga aproveitando-se de um caldo de descontentamento, de medo e de mentiras.
Assim, para que não seja mais uma circunstância em que se quer que «tudo mude, mas para acabar por ficar tudo na mesma», é preciso tirar conclusões, apontar responsáveis e agir.
O caminho é o de exigir uma política corajosa que defenda a Constituição no que concerne à liberdade de informar, assim como no que diz respeito à concretização de todos os seus direitos consagrados, promovendo o progresso social, para eliminar legítimos descontentamentos e combater populismos.
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