«E o senhor, como candidato a primeiro-ministro, vai permitir a governabilidade se não for eleito primeiro-ministro ao outro candidato a primeiro-ministro?». Foi mais ou menos isto que ouvimos no debate que os principais meios de comunicação social (pública e privada) decidiram que era o duelo mais importante da campanha. E é difícil não ficar convencido porque, afinal de contas, vivemos numa democracia, e temos os vários canais em directo, em simultâneo, a dizer-nos – a nós que assistimos em casa – que aquele debate deve merecer mais a nossa atenção do que os restantes. Tem direito a mais tempo. São assim as regras desta democracia.
Uns dias depois, outro debate, entre as forças políticas com assento parlamentar, tinha início, e perdia-se quase meia hora em perguntas sobre supostos arranjos de governabilidade, «se exige para o outro aquilo com que o próprio não é capaz de se comprometer». E o cidadão em casa exaspera, à espera que comece o esclarecimento de que precisa para decidir sobre o seu sentido de voto, se entretanto não tiver decidido desligar a televisão.
Curiosamente, também tivemos por estes dias o congresso da maior organização social do nosso país, a CGTP-IN, a central sindical que representa o maior número daqueles que produzem a riqueza em Portugal. Da primeira intervenção do recém-eleito secretário-geral Tiago Oliveira, apenas a RTP3 achou que era relevante transmitir uns minutos em directo.
É também sobre isto que nos vamos pronunciar no próximo dia 10 de Março. Se podemos continuar a aceitar que é esta a democracia que nos enche as medidas, 50 anos passados do 25 de Abril. Se estamos satisfeitos com a prática de, uma e outra vez, jornalistas que são tidos como autoridade nestas matérias, utilizarem a expressão «candidato a primeiro-ministro», quando, pelo contrário, sabemos que elegeremos 230 deputados e que as nossas vidas serão decididas no confronto entre a parte que cada força política tiver desse conjunto.
Mas há muito tempo que os meios de comunicação passaram a ser, em grande medida e a mando dos donos, mais um agente neste combate que todos os dias se trava entre as partes. Se os meios de comunicação aqui estivessem para nos esclarecer, não descansariam enquanto não ficasse evidente para todos os cidadãos, que é a partir de certos factos que podemos tomar as nossas decisões. Se não vejamos: em 2015 a coligação formada pelo PSD e CDS foi a força mais votada e elegeu um maior número de deputados. Perderam mais de 800 mil votos em relação a 2011 e perderam a maioria. As forças políticas à sua esquerda, que prometiam (todas durante a campanha) romper com o caminho da austeridade, tinham conquistado a maioria.
«É também sobre isto que nos vamos pronunciar no próximo dia 10 de Março. Se podemos continuar a aceitar que é esta a democracia que nos enche as medidas, 50 anos passados do 25 de Abril. Se estamos satisfeitos com a prática de, uma e outra vez, jornalistas que são tidos como autoridade nestas matérias, utilizarem a expressão "candidato a primeiro-ministro", quando, pelo contrário, sabemos que elegeremos 230 deputados e que as nossas vidas serão decididas no confronto entre a parte que cada força política tiver desse conjunto.»
Ora, foi a decisão dessas forças em procurar um entendimento, que fizesse corresponder uma clara vontade do eleitorado em afastar do governo a direita, que prevaleceu. Pela primeira vez na nossa história democrática, o PS não se decidiu por viabilizar a direita minoritária ou fazer um bloco central. Pela primeira vez foi forçado a negociar à esquerda, pelas características de verdadeiro trauma e repúdio que aquela governação tinha deixado nas pessoas que confiaram o seu voto no PS.
Hoje, é fácil de verificar que o contexto não é aquele. Vimos de dois anos de maioria absoluta do PS, com estabilidade e meios financeiros para fazer de outra forma e para dar resposta aos gravíssimos problemas que vivemos, de desigualdades sociais e de crise em várias áreas, mas que justamente voltou a cumprir com a sua natureza.
Os votos que depositamos nas urnas têm todos o mesmo valor, quando os vamos contar – o do que vive de vender a sua força de trabalho, e o do que vive de explorar essa força. Mas são feitos de diferentes matérias. Há aqueles que naquele papelinho depositam a confiança, sem ilusões, de que exercermos todos os direitos democráticos que ainda nos restam é a nossa mais importante tarefa. Que no dia 11 se continuará a gastar as energias, que nem sabemos bem onde ir buscar, para defender, resgatar, e avançar na construção da nossa democracia, tão frágil e incompleta. Se o resultado destas eleições fosse nunca mais ouvir dizer «candidato a primeiro-ministro» isso seria revelador do processo que estaria em marcha, e do que poderíamos todos estar à beira de viver. Porque, e parafraseando o Manuel Gusmão, se já foi possível, voltará a ser possível.
«Nós aprendemos a não ceder aos desastres, aprendemos a trabalhar para estoirar o tempo contínuo das derrotas e a perscrutar os momentos em que algo de diferente foi possível, mesmo que por umas semanas ou meses ou décadas. O trabalho da esperança que magoa ensina-nos que o que foi possível, e logo derrotado, será possível (de outra forma), outra vez.»
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