O enorme choque fiscal propagandeado pelo governo significa apenas que os ricos e as grandes empresas vão pagar muito menos impostos e quem trabalha e os mais pobres vão pagar a quase totalidade dos impostos. Os cortes do IRC e do IRS dos jovens mais ricos será substituído pelo aumento dos impostos ao consumo, como o IVA, que incide sobretudo sobre os mais pobres.
Segundo a Constituição da República Portuguesa, os impostos são progressivos (os mais ricos devem pagar mais), servem para cobrir as despesas do Estado, nomeadamente os serviços públicos, e têm como objectivo diminuir as desigualdades sociais.
Para se conseguir que se tire dinheiro aos mais pobres para dar aos mais ricos é preciso deitar as leis portuguesas no lixo e executar uma operação de ilusionismo ideológico que convença a maioria da população que é para seu bem que lhe vão tirar dinheiro do bolso para dar aos ricos, destruindo o Estado Social.
A política do governo de direita tem uma orientação clara: cortar os impostos aos mais ricos, diminuir a capacidade dos serviços públicos de ensino, saúde e transportes para dar áreas lucrativas aos negócios privados e tornar o Estado Social mais residual e aumentar a desigualdade social. A pedra de toque em matéria fiscal é tirar aos serviços públicos para dar às grandes empresas.
Para convencer a maioria dos portugueses, a direita garante que a sua proposta política, de cortar os impostos aos muito ricos, vai permitir que as empresas fiquem com mais dinheiro para investir, fazendo crescer o rendimento e no fim toda a gente ficará a ganhar.
Para isso têm uma parafernália de gente pendurada nos mais variados órgãos de comunicação social que garantem que se não se baixam os impostos às grandes empresas e aos mais ricos elas irão patrioticamente investir dinheiro em países que lhes são mais favoráveis.
Este poderoso apelo ao dumping fiscal tem o efeito de baixar os impostos aos ricos e dar mais dinheiro ao capital.
Temos aliás uma situação em que os lucros das empresas cotadas em bolsa e todos bancos batem recordes de lucros, mas os salários continuam há décadas estagnados.
As empresas, que já apresentaram números, atingiram um resultado líquido conjunto de 3015 milhões de euros entre janeiro e junho, o que representa uma subida de cerca de 27,5% face ao período homólogo. Significa isto que estas 13 cotadas do PSI lucraram perto de 17 milhões de euros por dia nestes seis meses.
Os bancos portugueses, por seu lado, também continuam a ter lucros recordes. Os cinco maiores bancos em Portugal – a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o Santander, o Novo Banco e o BPI – lucraram tanto em conjunto nos primeiros seis meses de 2024 como na totalidade do ano de 2022, apresentando 2,6 mil milhões euros de lucro.
É visivel que os lucros privados batem recordes, mas o governo propõe baixar-lhes mais os impostos afirmando que isso garante o crescimento económico.
No entanto, os estudos existentes não permitem afirmar que baixar impostos resultará num maior crescimento da economia. Numa análise da literatura económica recente, que englobou 441 estimativas de 42 estudos primários, feita pelos economistas Philipp Heimberger e Sebastien Gechert, a conclusão é que não há evidência empírica que permita afirmar que os cortes de impostos promovem o crescimento económico.
«Os nossos resultados sugerem que o papel proeminente atribuído às reduções dos impostos sobre as empresas nos debates políticos é exagerado. É certo que as reduções de impostos estimularam a concorrência fiscal internacional nas últimas décadas, mas não parecem ter aumentado o crescimento», afirmam taxativamente os dois economistas.
No mesmo sentido vão as conclusões de um estudo de economistas das universidades britânicas London School of Economics e de King’s College que analisaram todos os cortes de impostos para os mais ricos aprovados em 18 países da OCDE ao longo de 50 anos e concluíram que os gigantescos cortes de impostos para os mais ricos e grandes empresas não promovem o crescimento.
Segundo escrevem os economistas David Hope e Julian Limberg no resumo deste artigo: «Nos últimos 50 anos, assistiu-se a uma diminuição drástica dos impostos sobre os ricos nas democracias avançadas. No entanto, continua a haver um debate fervoroso, tanto nos círculos políticos como académicos, sobre as consequências económicas desta mudança radical na política fiscal. (…) Concluímos que as reduções de impostos para os ricos conduzem a uma maior desigualdade de rendimentos, tanto a curto como a médio prazo. Em contrapartida, essas reformas não têm qualquer efeito significativo no crescimento económico ou no desemprego. Por conseguinte, os nossos resultados fornecem fortes indícios contra a ideia político-económica influente de que as reduções de impostos para os ricos “se repercutem” para impulsionar a economia em geral».
Se é duvidoso, do ponto de vista científico, que cortar milhares de milhões de euros de impostos às grandes empresas faça crescer o rendimento, há uma coisa que é inegável é que essa medida dá muito mais dinheiro a quem é mais rico.
Num outro estudo coordenado pelo economista francês Thomas Piketty, que analisou a evolução da progressividade dos impostos entre 1960 e 2010 em diversas economias, mostra-se que, nas últimas décadas, os países que mais reduziram a taxa de imposto aplicada aos 1% mais ricos foram aqueles em que a fração do rendimento nacional captada por o percentil dos mais endinheirados mais aumentou. Os ricos ficaram com uma fatia ainda maior do bolo do rendimento nacional.
Reduzir a progressividade do sistema fiscal é minar a sua função redistributiva, o que é complicado num país que continua a ter níveis de desigualdade acima da média europeia.
Em Portugal, apenas 40% das empresas paga IRC e metade do dinheiro recolhido por esse imposto é desembolsado pelos 0,3% das empresas com mais lucros. Um corte progressivo desse imposto para 15%, em três anos, vai significar uma perda de receitas do Estado, em quatro anos, de cerca de 4.500 milhões de euros. O governo garante que esse corte será recuperado pelo aumento do rendimento.
Cenário que mesmo o estudo da muito liberal Fundação Francisco Manuel dos Santos, favorável ao corte do IRC, considera pouco provável, afirmando que o corte das receitas do Estado não vai ser recuperado. «A descida da taxa de IRC tem de ser compensada» para que o saldo orçamental não se deteriore. «A descida do IRC não se paga a si própria», afirmam os autores do estudo. Para isso, é necessário ou aumentar o IVA, que incide sobretudo sobre mais pobres, ou aumentar o IRS, que incide só sobre quem trabalha, ou cortar nas despesas sociais, que volta a prejudicar aqueles que mais precisam.
Como dizia um dos homens mais ricos do mundo, Warren Buffett, sobre os gigantescos cortes de impostos feitos pelos governos dos Estados Unidos da América aos mais ricos e sob o facto da sua empregada doméstica pagar uma taxa superior de impostos do que ele: «Há uma luta de classes. Fomos nós que a começamos e a minha classe está a vencer».
Nota: os estudos citados, tirando o da Fundação Francisco Manuel dos Santos, chegaram ao meu conhecimento via o excelente artigo de Vicente Ferreira no site Setenta e Quatro, «Os programas eleitorais de direita estão cheios de promessas para os mais ricos».
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