Começa a ser apanágio falar-se muito nos debates quinzenais e pouco se discutir. Como não podia deixar de ser, o debate arrancou com uma intervenção do primeiro-ministro que, mais uma vez, vendeu um país que não existe. Disse Luís Montenegro que «salvar o Estado Social, garantir mais oportunidades, melhores salários e pensões, reduzir a carga fiscal e preservar o equilíbrio das contas públicas só é possível se formos capazes de criar mais riqueza».
Desta forma, o chefe do Governo ignora o facto de que os lucros das grandes empresas, sustentados no aumento da produtividade, têm aumentado, enquanto os salários ou ficam estagnados ou pouco crescem.
«Fomentar uma economia dinâmica», «um ciclo de crescimento sólido e duradouro», «capacidade de inovação», «um ambiente económico positivo que coloque Portugal como centro de atracção de investimento» foram todos os chavões proferidos, manejados como autênticos verbos de encher que quando dissecados nada significam.
Aproveitando o momento para atacar o anterior governo do PS, Luís Montenegro disse que o seu Governo conseguiu «recuperar anos de adiamentos e cativações que deixaram na gaveta intenções e planos», reclamando um suposto sucesso na execução do PRR.
Fazendo jus à tradição do seu Governo, a de fazer anúncios como se de uma campanha eleitoral se tratasse, o líder do executivo disse que vai aprovar esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, um programa de simplificação fiscal com 30 medidas «que vão ao encontro de servir melhor os contribuintes e as empresas». Mais uma vez um pacote de medidas desenhado por uma agência de comunicação desenhado à medida das manchetes, mas que pouco acrescenta a quem vive dos rendimentos do seu trabalho.
A primeira intervenção da ronda que pertence aos partidos foi feita pelo maior aliado do Governo aquando da aprovação do Orçamento do Estado: o PS. Pela voz de Pedro Nuno Santos, saudou a AD por estar a concretizar a execução do PRR, tarefa que herdou do anterior governo.
Numa segunda intervenção, o secretário-geral do PS fez questão de vincar que, ao contrário de Cavaco Silva, o actual Governo PSD/CDS-PP não tem uma estratégia económica. Também sobre as obras no aeroporto de Lisboa, Pedro Nuno Santos questionou apenas pela avaliação de impacte ambiental e não sobre que papel terá a Vinci na empreitada. Naturalmente que Luís Montenegro fica confortável com as questões, uma vez que não são de fundo nem incidem sobre opções políticas.
Para findar, Pedro Nuno Santos aproveitou o momento para criticar a restrição do acesso do SNS a cidadãos estrangeiros em situação irregular, questionando o que deve fazer um hospital perante a necessidade destas pessoas. Na resposta, o primeiro-ministro disse que o hospital deve atender essas pessoas, mas «atender alguém de forma irregular em estado de gravidez adiantado é uma coisa, promover, pactuar com redes de fraude, criminosas, que retiram capacidade do SNS é intolerável».
À direita, André Ventura fez o seu número habitual e um favor ao Governo para este não discutir os reais problemas do país. O Chega não quer discutir o SNS, a Escola Pública, os baixos salários, a precariedade ou a exploração, e deste modo opta por discutir as «sensações de segurança» que o Governo tanto insiste em falar.
Na linha do Chega, está a Iniciativa Liberal que procura cavalgar a discriminação racial. Querendo falar sobre o «tema fundamental» da segurança, Rui Rocha, dizendo que ao seu partido «repugna a imputação colectiva de culpas e da inocência», partiu precisamente para propor a imputação colectiva de culpas com a inclusão de dados como a nacionalidade no RASI. Ao ouvir Rui Rocha, Ventura reclamou que essa era uma proposta do Chega.
À esquerda, Mariana Mortágua aproveitou o momento para falar da lei dos solos, considerando que o Governo está a construir uma «auto-estrada de especulação no caminho aberto pelo PS». Sobre isto, Luís Montenegro respondeu dizendo que «a lei dos solos está elaborada para garantir transparência, legalidade, consolidação das zonas urbanas. Não está virada para os fantasmas».
A coordenadora do Bloco de Esquerda, sobre a lei dos solos, ainda insistiu, questionando «em que concelhos é que o preço faz baixar ou é inferior ao preço praticado?». Montenegro diz que a partir do momento em que este regime só se aplica a construções cujo valor final não supere 125% da mediana no respectivo concelho, «então em todos os concelhos é possível haver maior oferta».
Pelo PCP, Paulo Raimundo quis discutir os reais problemas do país. O secretário-geral dos comunistas denunciou os problemas no SNS, como a falta de médicos, acusou a AD de «desmantelar o SNS», criar «mais parcerias público-privadas» e transferir «milhões para os grupos que fazem da saúde um negócio». Já sobre a habitação, relembrou que Espanha anunciou o fim dos benefícios fiscais para residentes não habituais, mas que, em Portugal, o Orçamento do Estado dá «milhões de euros em vantagens fiscais» e anunciou que vai tentar revogar a lei dos solos.
Encostando o primeiro-ministro «às cordas», Paulo Raimundo desafiou Luís Montenegro a dizer se considera justo que 40 anos de descontos não sejam suficientes para os trabalhadores terem reforma sem penalizações ou se não se devem melhorar as condições dos trabalhadores por turnos e nocturnos e acusou o Governo de ter em marcha uma «saga privatizadora». Luís Montenegro optou por fugir à discussão, mais uma vez.
Em suma, foi mais um debate em que o primeiro-ministro nada quis discutir, onde a direita ajuda o Governo a fugir às responsabilidade e onde o PS finge ser uma oposição forte. O próximo debate quinzenal está agendado para daqui a quinze dias.
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