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Prolongamento de moratórias discute-se sem resposta europeia

A Assembleia da República decidiu avançar na discussão da proposta de prorrogação e alargamento das moratórias bancárias, que estava adiada, à espera de uma resposta da Autoridade Bancária Europeia.

A idade normal de acesso à pensão aumenta para os 66 anos e três meses e, por outro lado, quem se reformar antes desta idade, vai ter um corte maior no valor da sua pensão
O prolongamento das moratórias é urgente para dar resposta à situação actualmente vivida por milhares de famílias e pequenas empresasCréditos

A iniciativa do PCP tinha sido colocada «em espera», depois de se ter estabelecido um prazo de 30 dias para que a Autoridade Bancária Europeia (EBA, na ingla inglesa) desse o seu parecer sobre a matéria.

Como passou o prazo estabelecido, sem que a Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do Parlamento tivesse recebido qualquer resposta da instituição europeia, o PCP propôs que se avançasse sem mais demoras no processo legislativo, o que mereceu concordância das restantes bancadas.

Ficou ainda acordado que os partidos têm até dia 4 de Junho para envio de propostas de alteração, para que se possa avançar rapidamente para a votação na especialidade na reunião seguinte, possivelmente dia 9 de Junho. E, se for aprovada nesta sede, avança então para plenário.

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Moratórias: «Só com normalidade na vida é possível pagar prestações»

Os partidos decidem, esta tarde no Parlamento, o futuro da proposta do PCP que determina o prolongamento de moratórias nos créditos bancários, com o intuito de ajudar famílias e pequenas empresas.

Créditos / tvi24.iol.pt

Debate-se esta quarta-feira, na Assembleia da República, a iniciativa do grupo parlamentar do PCP que pretende prorrogar as moratórias sobre os créditos. Em declarações à imprensa, o comunista Duarte Alves, explicou que esta medida é «urgente», porque, «no momento actual, não é possível para muitas famílias e empresas» retomarem o cumprimento assíduo das prestações devidas, porque a situação social e económica ainda é de crise.

O deputado alerta que as moratórias são um passo «ainda insuficiente», e devem ser acompanhadas de «medidas de retoma do emprego, de salvaguarda de salários e do cumprimento das medidas sociais que o Governo» insiste em não concretizar de forma plena. «Só com normalidade na vida é possível o início da normalidade no pagamento das prestações», remata Duarte Alves.

O projecto do PCP prevê ainda que, quem está a beneficiar das moratórias privadas, possa ter um prazo mais alargado para transitar para as moratórias públicas.

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Prolongamento das moratórias bancárias em discussão

Os agentes económicos estão em alerta com o fim à vista das moratórias que protegem 46 mil milhões de euros em empréstimos bancários. Portugal é o terceiro país da UE com mais créditos nesta situação.

Um transeunte passa ao lado de um sem-abrigo, no centro de Génova, Itália, a 4 de Março de 2021. A pobreza absoluta em 2020 atingiu 2 milhões de famílias e 5,6 milhões de pessoas no país, com um novo máximo de crescimento desde 2005.
CréditosEPA/LUCA ZENNARO / LUSA

As moratórias dos créditos foram aprovadas com o intuito de proteger a economia e as pessoas que ficaram afectadas pelos efeitos das medidas restritivas de combate à pandemia da Covid-19. Existem moratórias privadas, que foram disponibilizadas de forma voluntária pelos bancos, e públicas, que foram criadas pelo Governo.

Se, por um lado, as moratórias têm vantagens para os clientes, que são aliviados do pagamento imediato das prestações, também os bancos ficam libertos da obrigação de contabilizar os créditos em incumprimento como malparados.

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Quando a pandemia ataca sobretudo quem trabalha

Saiu recentemente o estudo da Nova SBE, «Portugal, Balanço Social 2020», sobre os efeitos da pandemia. Falamos com economistas, sindicalistas e políticos sobre as formas de combater a crise.

CréditosMário Cruz / Lusa

Cheila tem 33 anos, trabalhou como bartender em vários bares. Desde o fim do Verão passado que está em casa. «A pandemia obrigou a fechar tudo. O abre não abre, as restrições de funcionamento por motivos de saúde levaram quase todo o sector às cordas. Muitos provavelmente não vão conseguir abrir depois deste segundo confinamento». Os apoios do Estado incidiram sobretudo no lay-off e os outros são muito limitados.

Paulo é proprietário de um bar em Lisboa que explora com o seu filho e encontra-se na mesma situação, «por todo e por junto os apoios que me deram, quase num ano, não ultrapassaram os 200 euros.»

Em casa, Cheila vai esperando que a pandemia passe para voltar a trabalhar. «Não desisti de ter um espaço meu e de trabalhar, mas para já estou a gastar as economias que amealhei para sobreviver», diz.

Stefan é instrutor de artes marciais na Pontinha. O confinamento obrigou-o repetidamente a encerrar provisoriamente o ginásio em que dá treinos e teve o efeito de um tsunami na sua vida. «Este abre e fecha ao longo do ano e os receios de contágio levaram as pessoas a desistir de treinar e a descontinuar os pagamentos. Não há apoios para nós que continuamos a ter que sustentar a família e pagar as rendas. E este é um tipo de actividade que, por muitas aulas zoom que possamos fazer, não nos permite funcionar e ganhar devidamente».

Cheila, Paulo e Stefan são três exemplos das muitas pessoas que perderam rendimentos no ano de 2020. Os economistas e cientistas sociais têm a nítida percepção que a crise parou muita gente e que há um crescimento significativo das desigualdades, mas ainda não há dados fidedignos que façam o retrato desta tempestade.

Uma crise que produz desigualdades

Na semana passada, a Universidade Nova lançou o estudo «Portugal, Balanço Social 2020» em que se trabalham e analisam muitos dos dados e estudos parcelares que saíram sobre o crescimento da pobreza e das desigualdades no nosso País, com o intuito de «traçar um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, com ênfase nas situações de privação e, quando possível, no acesso às respostas sociais existentes em Portugal».

A professora da Nova SBE Susana Peralta é uma das coordenadoras do estudo. «O relatório, que se chama “Portugal, Balanço Social 2020”, tem uma caracterização bastante cuidada da situação em Portugal. Fizemos esse trabalho com as limitações existentes, porque só é possível fazer uma caracterização dessas passado um ou dois anos, que é quando aparecem os dados representativos daquele período. Nós analisamos os dados do INE que nos permitem fazer uma caracterização representativa e cuidada daquilo que é a situação das famílias em 2019. Mas depois fomos à procura de todas as fontes de informação possíveis, com que tentámos fazer um possível retrato de 2020», assinala Susana Peralta ao AbrilAbril.

O estudo demonstra os impactos da pandemia a vários níveis. O efeito que teve a nível da saúde, «em Abril de 2020 foram apenas realizadas 182 cirurgias, face a 13 000 em Abril de 2019», e que essas restrições no campo da saúde não foram iguais para todos. «A pandemia afectou particularmente a saúde (…) dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados».

Segundo o relatório, os efeitos da pandemia agravaram também os problemas de desigualdade no ensino, «com o encerramento das escolas, as aulas presenciais foram substituídas pelo ensino à distância. Esta substituição afectou de uma forma mais negativa os alunos das famílias mais pobres», esclarece o documento, que explica que no ano lectivo de 2017/2018, «apenas 62% dos alunos com apoio dos Serviços da Acção Social Escolar (SASE) tinham computador e 52% tinham acesso à internet, o que compara a uma taxa de 71% de acesso à internet e computadores para os alunos sem SASE.»

Do ponto de vista do emprego, verificou-se que «as condições no mercado de trabalho alteraram-se profundamente em resposta à pandemia. Dependendo dos sectores, as medidas de confinamento fizeram aumentar a prevalência do teletrabalho, ou levaram ao encerramento das empresas», afirma o documento, contabilizando que «no final de Abril de 2020, o número de trabalhadores em lay-off simplificado era de 1,2 milhões, o que compara com cerca de 70 mil no final de Março».


Susana Peralta sublinha ao outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos».

Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento».

Buscar dinheiro a quem o tem

O título de uma recente entrevista de Susana Peralta ao jornal i, em que supostamente defenderia que era preciso taxar «a burguesia do teletrabalho», levantou uma tempestade nas redes sociais. A economista nega a simplificação, mas reafirma que são precisos recursos para combater o crescimento da pobreza e das desigualdades, e que cabe ao Estado a escolha política de onde ir buscar esse dinheiro.

«Eu nunca disse que é para cobrarem apenas às pessoas que estão em teletrabalho. Aquela fórmula da “burguesia do teletrabalho” é uma imagem e pretende transmitir que houve uma determinada “tecnologia” de escapar a esta crise. Tal como a crise anterior tinha a fuga do biscate e do pequeno trabalho, e da emigração; nesta crise, o teletrabalho foi a escapatória», argumenta, acrescentando que «isso protege mais as pessoas com maior rendimento e com maior nível digital. E não faz nenhum sentido que essas pessoas não possam contribuir mais para as que perderam quase tudo».

Para a economista, a escolha política não pode prescindir de taxar a totalidade dos rendimentos. Não nega a necessidade de conseguir que o capital pague a sua parte, mas relembra que há uma urgência em conseguir já os recursos necessários para combater os efeitos da crise.

«Estamos neste momento numa situação de emergência social, e perante isto há duas formas de agir: ou o Governo se endivida e depois pensa, com tempo, num potencial imposto sobre a riqueza para poder ir buscar recursos aos mais ricos, que não têm estado a contribuir a sua justa parte. Ou usamos agora a máquina que temos para ir buscar dinheiro, que é a máquina dos impostos sobre o rendimento. E aí inclui-se o trabalho e capital, em sede de IRS e também de IRC», explica.

É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirma, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica.

«Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirma, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defende o economista de Coimbra.

É preciso defender quem trabalha

O deputado comunista Bruno Dias está de acordo: «temos de ter um sistema fiscal que consiga ajudar a redistribuir a riqueza. Neste momento, os estudos internacionais demonstram que há um forte crescimento das desigualdades e da pobreza. Mesmo que só daqui a alguns anos seja possível quantificar o impacto da pandemia na pobreza e desigualdades em Portugal, é indesmentível que ela se tem acentuado». O deputado sublinha, ao AbrilAbril, propostas feitas pelo PCP para atalhar alguns aspectos mais gravosos desta crise, como a falência de muitas micro, pequenas e médias empresas e a defesa dos rendimentos de quem trabalha. Realça ter-se conseguido que, ao contrário do que aconteceu no primeiro confinamento, o lay-off seja igual ao salário do trabalhador, e a importância de garantir que os apoios cheguem atempadamente às pequenas empresas.

«Uma coisa é disponibilizar e assegurar uma verba significativa para as micro e pequenas e médias empresas e outra coisa é mostrar o dinheiro e de facto ele chegar a essas empresas. Os apoios são comunicados com pompa e circunstância, mas depois verificou-se que as verbas não chegavam às empresas por dificuldades tremendas de acesso às linhas de apoio e por um conjunto muito grande e crescente de exigências burocráticas. Nós conseguimos aprovar uma medida de não discriminação para as micro, pequenas e médias empresas que permite que mais gente possa ter acesso a esses apoios, infelizmente ainda persistem muitos bloqueios para que se apoiem devidamente as pessoas», alerta.    

Por seu lado, a dirigente da CGTP-IN Andrea Araújo sublinha, em declarações ao AbrilAbril, a incidência da crise pandémica nas condições de vida de quem trabalhar e a necessidade de haver uma política que aumente os apoios sociais, e que se concentre, sobretudo,  na defesa dos postos de trabalho.

«As consequências, desta crise, para os trabalhadores e para as suas famílias ainda não estão totalmente calculadas. Mas, por aquilo que conhecemos, podemos dizer que as remunerações de muitos trabalhadores reduziram-se no ano 2020. De acordo com o relatório sobre salários da OIT, Portugal foi, dos 28 países europeus estudados, daqueles em que ocorreram as maiores perdas salariais no segundo trimestre de 2020».

Para a sindicalista, a resposta governamental falhou nas prioridades: «desde o início que houve uma clara desproporção entre as medidas anunciadas para as empresas e as medidas tomadas para apoiar os trabalhadores e as famílias, com a agravante de se ter verificado, no que diz respeito às grandes empresas, um grande favorecimento em relação às micro e pequenas empresas. A CGTP-IN defendeu que era preciso actuar para preservar os postos de trabalho. O Governo deveria ter proibido todos os despedimentos e não o fez, o que levou a que nos primeiros meses fossem despedidos milhares de trabalhadores que se viram a braços com uma situação muito complicada, até porque mais de metade desses trabalhadores nem sequer tinha direito a prestações e apoios sociais. Tinha sido fundamental que o Estado exigisse às empresas que está a apoiar que não fizesse despedimentos».

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Tendo em conta que está estipulado que, no final deste mês, termina o prazo das moratórias a créditos bancários relativos à compra de habitação, as instituições estão já a pressionar os devedores para que estes avaliem se terão dificuldades em pagar as prestações a partir do próximo dia 1 de Abril. O objectivo é de que estas instituições financeiras evitem um aumento do crédito malparado.

Estima-se que esteja em causa a protecção, por via deste mecanismo das moratórias, de um total de sete mil milhões de euros em créditos privados, dos quais quatro mil milhões de euros são relativos empréstimos à compra de casa.

A isto acresce que, no final de Junho, termina o prazo das moratórias privadas nos créditos ao consumo e outros fins, cujo montante protegido ascende três mil milhões de euros. E ainda o facto de que, no fim do mês de Setembro, acaba o prazo das moratórias públicas, que protegem 39 mil milhões de euros.

Não obstante, a decisão sobre o seu eventual prolongamento depende da Autoridade Bancária Europeia (EBA), e esta ainda não se pronunciou sobre a questão. Ora, esta matéria é crucial para Portugal, que está em terceiro lugar na União Europeia (UE) entre os estados com um maior volume de moratórias concedidas, seguindo-se ao Chipre e à Hungria.

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«As novas formas de trabalho têm de impedir a perda de direitos»

Carlos Farinha Rodrigues, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), é um dos maiores especialistas na investigação da pobreza e das desigualdades em Portugal. Em conversa com o AbrilAbril sublinha que é preciso ir além das políticas sociais e envolver todas as políticas públicas no combate a esses flagelos.

Carlos Farinha Rodrigues é professor no ISEG.
Dá aulas no ISEG e é especialista em pobreza e desigualdade.CréditosDR / DR

É possível dizer-se que existe um crescimento das desigualdades e da pobreza durante a pandemia?

Usamos certas metodologias e certos dados para avaliar oficialmente a pobreza. E esses dados geralmente têm um leque temporal de um ou dois anos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) libertou, há pouco tempo, os dados mais recentes sobre a pobreza, mas esses números referem-se a 2019. O que esses indicadores mostravam era que a tendência decrescente das desigualdades e da pobreza se mantinham. Os dados de 2019, em muitos sectores, são os melhores dos últimos anos, alguns até os melhores desde que há estatísticas. Agora todos nós temos a sensação que isso não corresponde à situação actual. Temos um conjunto de indicadores indirectos e não oficiais que nos permitem dizer que, indiscutivelmente, a desigualdade e a pobreza estão a aumentar durante a pandemia. Nós temos indicadores do recurso às instituições de solidariedade social, como a Caritas e o Banco Alimentar, que evidenciam um aumento da pobreza e da procura crescente a estas instituições. Por outro lado, em termos de desigualdades, basta vermos que esta crise não está a atingir de igual forma todos os sectores: por exemplo, os funcionários públicos e os pensionistas não têm sofrido cortes em termos de rendimento, mas há outros sectores que viram praticamente os seus rendimentos destruídos. Por isso, apesar de não haver dados oficiais, não tenho dúvidas em afirmar que a pobreza e as desigualdades aumentaram muito com a pandemia. Conhecendo as relações entre pobreza e desemprego é possível prever que isso se verifique, apesar de parte dos impactos negativos ter sido absorvido pelas políticas públicas.

Falou que havia sectores de trabalhadores que não foram tocados. Mas talvez mais desigual que isso tem sido o facto de, enquanto o trabalho continua a ser muito afectado pelas crises, haver valorizações dos activos de capital mesmo em plena crise, que não tem correspondido a igual valorização dos rendimentos de quem trabalha. Pode dizer-se que isso aumenta as desigualdades?

Claro que sim. Assistimos, a nível europeu e nos países desenvolvidos, a uma desvalorização progressiva do factor trabalho. Em Portugal, mesmo num período em que houve uma diminuição das desigualdades até 2019, vê-se que mesmo assim a parte do trabalho nos rendimentos tem vindo a diminuir. Há outro aspecto importante, há hoje formas de precarização novas do trabalho que levam à desvalorização dos salários, como é o caso da uberização em vários sectores da economia.

Como é que seria possível, em termos de políticas públicas, contrariar isso de uma forma estrutural e não apenas com subsídios sociais que são necessários para acudir as pessoas e as famílias a curto prazo?

Neste momento ainda estamos muito ocupados com as medidas de emergência para acudir às consequências sociais da pandemia. Mas a partir daqui, temos de pensar num modelo de recuperação económica que seja inclusiva e que não deixe ninguém de fora. Em crises anteriores, em que houve austeridade, corte de salários e aumento de impostos, vimos que um dos factores que servia de amortecimento a esta perda acentuada de rendimentos foi novas formas informais de trabalho. O que aconteceu nesta pandemia é que parou tudo e esses sectores foram fortemente afectados.

«Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres»

Há ainda um aspecto adicional que é extremamente negativo, é que são sectores que têm uma relação muito frágil com o mercado de trabalho ou simplesmente inexistente, e como consequência disso não têm sistemas de protecção social. Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres. Assegurando que têm as suas contrapartidas. Há um segundo aspecto, que acho muito importante, que é as mutações que estão a existir no mercado de trabalho. Essas mudanças não começaram hoje, vinham de antes da pandemia, mas o que esta fez foi acelerar de uma forma radical certas formas que eram atípicas de trabalho. Se há dois anos me perguntassem o que eu achava do teletrabalho, eu não teria dúvidas em dizer que era algo que iria crescer na nossa economia, mas nunca me passaria pela cabeça que, em pouco tempo, seria maioritária em determinados sectores. É preciso perceber estas novas formas emergentes do mercado de trabalho, e elas exigem políticas públicas que tenham a flexibilidade suficiente para não deixar essas pessoas de fora.

Mas não são necessárias políticas públicas que regulamentem essas novas formas, como a uberização, e não permitam essa total precarização e exploração das pessoas? Políticas que tenham a coragem de contrariar estes gigantes das novas tecnologias que exploram milhões de pessoas sem assumir nenhuma relação e responsabilidade laboral em relação a elas?

Estas novas formas de trabalho têm de ser regulamentadas em termos de protecção social e em sede fiscal. O que acontece, é que estas novas formas têm conseguido fugir às suas contrapartidas em termos de impostos. Há que garantir direitos e deveres a todos os que participam no mercado de trabalho e impedir a existência de abusos. Muitos dos problemas que decorrem da uberização passam pela inactividade das políticas públicas ou não impedirem determinadas situações. Não estando regulamentadas, não impedem as formas abusivas de trabalho.

Afirma muitas vezes que os apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção (RSI), são muito importantes e que infelizmente foram denegridos por parte da população. Diz ainda que o principal problema é que cumpram a sua função, o que significa que, num segundo momento, as pessoas conseguem refazer a sua vida e não ter a necessidade de receber ajudas sociais. O que falhou?

Isso exige uma resposta em várias partes. Sou da opinião que as políticas sociais são fundamentais para responder a situações de crise e de empobrecimento de determinados sectores da população. Acho que temos muito que fazer ao nível das políticas sociais. É preciso dizer que as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural. Isto implica a actuação das políticas públicas no seu todo, englobando as políticas económicas. Se queremos combater estruturalmente as desigualdades temos de ir às fontes, e isso implica políticas públicas que não são só políticas sociais. É preciso reconhecer a importância das políticas sociais, mas saber que elas só por si não conseguem resolver todos os desequilíbrios.

«as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural»

As políticas económicas devem promover o crescimento inclusivo e defender o trabalho nas suas várias formas. Uma segunda questão refere-se à forma como a nossa arquitectura de protecção social tem sido construída, e aí podemos ver duas coisas, a crise que estamos a passar demonstrou a importância das políticas públicas. A crise da Covid-19 fez com que largos sectores da população e do pensamento económico, que tinham barafustado contra o Estado Social, vão agora, durante algum tempo, estar calados. Se não fosse o Estado Social e as políticas públicas as consequências desta crise teriam sido trágicas. Se há uma diferença entre esta crise e a anterior (da Troika) é que, desta vez, houve uma atitude pró-activa das políticas públicas, tentando minorar os seus impactos, o que da outra vez não aconteceu, até pelo contrário. Não significa isso que as políticas que foram implementadas foram suficientes. Não foram. Mas de qualquer forma elas tentaram atenuar e, em alguns casos, terão conseguido adiar alguns dos piores desenvolvimentos. Agora, uma das características da nossa política social é que ela é muito fragmentada e devíamos ter políticas integradas que fossem mais eficientes no combate à pobreza e na afectação dos recursos. Temos uma miríade de políticas, a maioria delas com valores muito baixos que não permitem uma resposta eficaz. Nesse sentido, tenho defendido que precisamos de coordenar as políticas sociais dando-lhe consistência e integrando-as.


Não podemos pensar que a política social vem só do Ministério da Segurança Social. É necessário que haja uma coordenação que tenham em conta a parte da Economia, Fiscalidade e Segurança Social. Em relação ao RSI, consiste numa medida que correspondia, há 20 anos, a uma nova forma de pensar as políticas sociais, conjugando os apoios financeiros às famílias com processos efectivos de inclusão social. Usando uma conhecida parábola: era preciso dar peixes porque as pessoas precisavam de comer, mas simultaneamente ensinar-lhes a pescar. Claramente, esta medida foi pensada com essas duas componentes e eu sempre defendi que se tirarmos esta componente de inclusão social, o RSI não passaria de um «subsidiozeco». O que aconteceu, é que ao longo dos anos houve vários ataques a esta medida, muitos deles da parte governamental, e a forma mais simples de combater este apoio social é desvalorizando esta segunda componente. E isso é feito de duas formas: ou deixando-a a navegar sem nenhum apoio efectivo ou dizendo que a inclusão na sociedade é a inclusão no mercado de trabalho. Aquilo que acontece é que para muitos isso será assim, mas para muitos outros isso passa sobretudo por outro tipo de medidas. Uma forma de valorizar esta medida é fazer com que ela se articule com outras políticas sociais dando-lhe meios. E também combater o estigma, que toda a direita e muitos governos fizeram, que foi associar esta medida a um apoio a quem supostamente não quer trabalhar ou, pior ainda, uma medida para os ciganos que não quereriam, alegadamente, trabalhar. Isso é desmentido pelos números e pela realidade, mas infelizmente esta ideia passou.

Uma pergunta final. Estamos num momento de desenvolvimento tecnológico em que há previsões, e já começa a verificar-se em alguns sectores, de uma diminuição do trabalho devido à automação e à inteligência artificial. Não terão de ser pensadas políticas sociais independentemente do trabalho? E estudadas formas de rendimentos mínimos universais? Se se concretizar, o que alguns prevêem, uma diminuição abruta e generalizada dos postos de trabalho?

Essa é uma questão que dava para estarmos quatro ou cinco dias a falar. Estamos a assistir ao desenvolvimento de sectores com a necessidade de utilização de menos recursos de trabalho. Mas a história mostra-nos que grande parte das inovações tecnológicas o que fizeram foi substituir certos tipos de trabalho por outros tipos de trabalho. Vejo com alguma desconfiança essa visão mais pessimista de perda abrupta do trabalho e do emprego. O que temos de perceber é que o trabalho vai existir de formas muito diferentes. Temos muita dificuldade em lidar com isso, tanto as políticas públicas, como até os sindicatos, não estão ainda preparados para isso.

«Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar»

Nós temos de pugnar para que as novas formas signifiquem um reforço de direitos e não uma perda de direitos das pessoas que estão a trabalhar. Se olharmos para um horizonte de tempo maior, provavelmente as novas tecnologias vão permitir que trabalhemos menos horas por dia. Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar. Temos de ter uma visão aberta para os novos desafios que as tecnologias nos colocam. Não poderemos parar a maré com um balde. É preciso uma transição que garanta que o surgimento dessas novas tecnologias seja acompanhado pelo reforço dos direitos das pessoas. Isso é essencial. Há um aspecto que ultimamente está na moda, a questão do Rendimento Básico Universal. Acompanhei isso desde os anos 90, quando estava em Inglaterra. Conheço alguns dos estudiosos e proponentes iniciais da ideia. Não tenho dúvidas que a formulação inicial era extremamente generosa. Agora o desenvolvimento que tem tido essa ideia leva-me a ter muitas reticências. Primeiro, grande parte dessas propostas tem implícito que isso substituiria o Estado Social. Acho que, como esta crise demonstrou, seria um gigantesco erro. Também tem exigências de financiamento que ainda ninguém é capaz ainda de quantificar. E esse é o outro problema. Terceiro, eu próprio tenho algumas questões éticas em relação a alguns dos princípios, como a ideia que todos nós devemos ter a liberdade de decidir se queremos trabalhar ou não trabalhar. É uma ideia atraente, mas é uma ideia perigosa. Parte de um conceito de liberdade que é exclusivamente individual. Para mim, a liberdade é algo que se constrói na relação com os outros. Acho que muitas pessoas que defendem o Rendimento Básico Universal acabam por defender a ideia que a sua liberdade é um valor supremo mesmo contra os outros. Claramente que aí não alinho. Um último aspecto, quando falamos no surgimento de novas formas de trabalho conjugado com o aparecimento de novas tecnologias, há um aspecto que é importante referir: tem de se pensar que muito do trabalho que é socialmente útil, não é valorizado pelo mercado e não é recompensado. Refiro-me a trabalhos como o de criar crianças, o doméstico e o de cuidar. Essa é uma fronteira que as políticas sociais têm de pensar em valorizar.

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Recorde-se ainda que Portugal tem o prazo médio dos créditos moratórios mais elevado entre os estados-membros, situando-se nos 18 meses, contra uma média europeia de três a seis meses.

Tendo em conta a complexidade do assunto e as repercussões no plano económico e social do País, o PCP agendou para o próximo dia 31 de Março uma discussão sobre esta matéria na Assembleia República. No conjunto de propostas em debate, estão medidas para reforçar os apoios às micro, pequenas e médias empresas, mas também o prolongamento e alargamento das moratórias bancárias.

Os comunistas consideram que se vive um «momento em que a situação económica e social é ainda pior do que a que motivou a implementação destas moratórias», e alertam que «não estão criadas as condições para, em muitos casos, se iniciar a regularização dos créditos».

Assim, o PCP propõe que as moratórias cujo período de carência termine no primeiro semestre de 2021 possam ser prorrogadas, nas mesmas condições, por mais seis meses, se assim for requerido pelo beneficiário.  E também advogam que possam vir a ser criadas novas moratórias para créditos contraídos após o mês de Março de 2020.

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Ainda não é certo que a medida passe mas, esta quarta-feira, o PSD, pela voz de Duarte Pacheco, anunciou viabiliza o projeto do PCP para prolongar as moratórias bancárias, ainda que tenha intenção de, na especialidade, limitar a sua duração ao período do estado de emergência e à concordância da Autoridade Bancária Europeia. Não obstante, a fundamentação dos sociais-democratas assenta na ideia de se defender a «estabilidade do sistema financeiro».

Todavia, recorde-se, em audição parlamentar realizada ontem, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), recusa este cenário de prorrogação de moratórias e sugere que os bancos devem «trabalhar com os seus clientes», numa resposta «caso a caso». A concretizar-se esta sugestão do regulador, milhares de famílias e empresas ficariam desprotegidas perante uma negociação forçada por parte das instituições bancárias.

Mário Centeno informou que as moratórias privadas do crédito à habitação recuaram 42%, num valor de 2,37 mil milhões de euros, até ao passado mês de Fevereiro. Ora, estes números revelam, por outro lado, que a maioria daqueles que beneficiaram até aqui das moratórias, ainda não estão em condições de prescindir delas, ou tê-las-iam levantado.

O governador do BdP está ainda preocupado com o facto de que, na União Europeia, não estão previstas prorrogações de moratórias, defendendo que «Portugal não pode ficar isolado nesta dimensão». Mais uma vez, o regulador opta pela submissão ao que se passa no quadro comunitário, em detrimento de priviligiar respostas prementes à realidade e às dificuldades sociais e económicas vividas no País.

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Em declarações à imprensa, Duarte Alves, deputado comunista, entende que «a não pronúncia por parte da EBA no prazo estabelecido» revela que a «instituição não considerou como especialmente relevante responder a um pedido da Assembleia da República», o que põe em causa o argumento que tinha sido invocado, para adiar a aprovação desta medida, de estarem em causa «grandes preocupações com a estabilidade financeira».

Ora, tratando-se de uma proposta «que é urgente para dar resposta à situação actualmente vivida por milhares de famílias e pequenas empresas», o comunista «lamenta que o PS tenha contribuído para o protelamento deste processo».

Recorde-se que o PS já tinha votado contra a proposta do PCP e que o PSD, embora tenha votado a favor, insiste na posição de que a extensão das moratórias deve ser feita dentro das regras da EBA.

O regime público das moratórias foi criado no ano passado com o objectivo de aliviar as famílias e as empresas com créditos bancários, que foram afectadas pelas consequências do encerramento de actividades económicas no quadro da pandemia.

As moratórias já foram prolongadas mais do que uma vez, mas está previsto o seu fim para o mês de Setembro na maioria dos contratos. E, nesse sentido, o PCP pretende prolongar este regime por mais seis meses.

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