|benefícios fiscais

Uma fundação que se assemelha a uma alfaiataria que faz estudos à medida

A Fundação Francisco Manuel dos Santos foi buscar três economistas e três advogados fiscalistas, entre os quais Paulo Núncio do CDS-PP, para realizar um estudo sobre a descida do IRC. O resultado final é do interesse da Jerónimo Martins, que controla 56,14% da Fundação.

Pedro Soares dos Santos, dono da Jerónimo Martins 
CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

Se fores ao Pingo Doce, irás reparar que perto das caixas há sempre uns pequenos livros, muito baratos, que se debruçam sobre vários aspectos da sociedade. Esses livros são publicados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, instituição criada em 2009 por Alexandre Soares dos Santos, ex-administrador da Jerónimo Martins, com a suposta missão de «promover e aprofundar o conhecimento da realidade portuguesa, procurando desse modo contribuir para o desenvolvimento da sociedade», conforme se pode ler no site da fundação.

Alexandre Soares dos Santos tinha tudo ao seu alcance: dinheiro e capacidade de distribuição. Faltava-lhe a difusão de pensamento político, económico e social de forma massiva. Fundar uma Fundação colmatava essa lacuna. A acção, alegadamente filantropista, visou obedecer a uma necessidade de difusão de uma perspectiva que correspondia aos interesses de classe de Alexandre Soares dos Santos e dos seus.

Diz a Carta de Princípios da Fundação que o seu propósito é «colaborar no esforço de resolução dos problemas da sociedade, em benefício de todos os portugueses e das gerações futuras». Diga-se que o propósito de vida da família Soares dos Santos não é o mesmo que o da pessoa que está na caixa do Pingo Doce à espera para pagar e se depara com os livros publicados pela Fundação. 

Num mundo onde tudo é ideologia, o investimento em «estudos, trabalhos de investigação e outras iniciativas» pretende amplificá-la, segundo um objectivo que não será certamente subversivo. Eis que hoje surgiu mais uma prova disso mesmo. Com a capacidade de publicitar as suas edições, a Fundação Francisco Manuel dos Santos conseguiu que vários jornais noticiassem algo publicado por si, como se um facto objectivo e inquestionável se tratasse.

Noticiou hoje o Público, a título de exemplo, que a «descida do IRC puxa pela economia, mas implica compensar a quebra de receitas». O lead da notícia também só dizia que «economistas testaram impacto de descida da carga fiscal sobre empresas em 7,5 pontos e concluíram que o PIB aumentaria em 1,44% em apenas dois anos. Impacto chega aos salários». 

Das seis questões a que um lead deve responder (o quê, quem, quando, onde, porquê e como), só o «quem» é que estava respondido, mas de uma forma vaga. O resto era a replicação das conclusões do estudo da Fundação. Mas então quem são os «seis economistas» que fizeram tal estudo? Na realidade, são três: Pedro Brinca, investigador associado na NovaSBE e cabeça de lista da Iniciativa Liberal às eleições legislativas pelo círculo eleitoral de Coimbra; João B. Duarte, Professor auxiliar da NovaSBE; e Afonso Souto de Moura, economista no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal e ex-estagiário no Fundo Monetário Internacional e no Banco Central Europeu.

A Fundação conseguiu assim reunir um leque de economistas com percurso e pensamento político alinhado à direita. Mas não fica por aqui. Os restantes três elementos que realizaram o tal muy isento estudo são: Miguel Cortez Pimentel, advogado, sócio de direito fiscal na Garrigues, e um dos nove «especialistas» que elaboraram a proposta do PSD para a redução do IRS; Francisca Osório de Castro, advogada e associada de direito fiscal na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (ex-escritório de António Lobo Xavier do CDS-PP); e Paulo Núncio, advogado, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nos XIX e XX Governos Constitucionais e atual líder parlamentar do CDS-PP (partido que integra o Governo).

Este ramalhete de personalidades ligadas aos mais profundos objectivos da direita, sustentam que a redução do IRC aumentaria a produtividade, ou seja, os especialistas entendem que este imposto é um factor de produção. Os autores defendem uma quebra global de 7,5 pontos no IRC e, identificando que existem quatro tipos de taxas efectivas suportadas por quatro grandes grupos, cada grupo teria a tal redução apontada.

Poder-se-ia achar que todas as empresas beneficiariam de igual forma, mas o grande gancho do estudo é acabar com as sobretaxas como a derrama estadual que é aplicada sobre os lucros acima de 1,5 milhões de euros. Quem é que beneficiaria com isto? A Jerónimo Martins, a empresa com lucros extraordinários que detém 56,14% da Fundação Francisco Manuel dos Santos e que, como tal, pagou a publicação de um estudo «independente» que corresponde a tudo o que deseja.

Mais uma vez, segundo o que se pode ler no site, «a Fundação é rigorosamente independente de organizações políticas e não perfilha uma ideologia partidária». Os autores deste estudo em concreto, assim como o ponto de partida do mesmo desmentem a fundação, mas esta sabe que tal não é verdade.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos é a alfaiataria da Jerónimo Martins e serve, apenas, para produzir conhecimento à medida dos seus interesses. Se a Jerónimo Martins continua a acumular lucros, interessa-lhe não pagar IRC e a derrama. Com a fachada de uma fundação que produz pensamento, junta um conjunto de economistas e advogados do regime para arranjarem um estudo que justifique, com umas contas marteladas e uma fraca argumentação, que isso seria bom para o País.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui