Mais de quinze anos depois da primeira decisão de aquisição dos 117 comboios para a CP, veio agora o Governo encomendar mais estudos, onde se vão gastar 224 mil euros em mais uma adjudicação a duas consultoras externas.
O Governo anunciou recentemente a aprovação do Plano Ferroviário Nacional (PFN) de 2023 com horizonte até 2050, sem sequer tornar pública a sua versão final. Anunciou simultaneamente um novo plano, o das «novas rotas». Mas Planos não faltam, diz-se que o papel aguenta tudo, os comboios é que não saem do papel.
Nos 14 anos de 2011 a 2025 já vão em sete, uma autêntica bienal de Planos: PET, GTIEVA, PETI 3+, Ferrovia 2020, PNI 2030, PFN e o mais fresco, tem dias, o das «novas rotas» do Minho ao Algarve, incluindo mesmo serviços da CP até à Corunha e a Salamanca. Fica bem em ano de eleições legislativas e autárquicas. Mas comprar comboios – aquilo que o país ferroviário mais necessita – nada!
A destruição da fábrica portuguesa de comboios, a Sorefame, onde foram construídos todos os comboios do Metropolitano de Lisboa e muito do material da CP, é a principal razão porque desde 2003 não se compram comboios novos. E é importante fixar que esse encerramento aconteceu na sequência de um processo de privatização e liberalização, que conduziu à destruição do aparelho produtivo nacional e à redução da soberania nacional.
Os governos têm feito planos e mais planos sem se preocuparem com a sua concretização e sem resolverem o essencial: não há comboios! Há anos que o país necessita com urgência do reforço de material circulante. O concurso para aquisição de 117 comboios para reforçar a oferta nos serviços urbanos, regional e inter-regional da CP, lançado em 2021 depois de um similar, lançado em 2009 ter sido ser cancelado em 2011, foi impugnado e a sua adjudicação arrasta-se enrolada em litigância sem que o Governo invoque o interesse público para que o processo de adjudicação deixe de ser vítima destes expedientes dilatórios.
«Vejamos um exemplo do muito que está desarrumada a casa. Os governos do bloco central liberalizante criaram a empresa privada chamada Fertagus, que utiliza infra-estrutura pública e material circulante público, e financiaram-na com quase 200 milhões de euros públicos. Esta é hoje um obstáculo, uma autêntica rolha, à normal operação ferroviária no centro da Área Metropolitana de Lisboa (...).»
O que o Governo agora defende para promover a indústria de guerra, «agilizar a contratação pública», «as leis quando estão mal, mudam-se», foi exactamente o que nunca quis fazer para acelerar a aquisição dos 117 pacíficos comboios. Agora até já mostram compreensão para que alguma despesa pode ser vista «como uma oportunidade, um investimento e não como uma mera subida da despesa».
Mais de quinze anos depois da primeira decisão de aquisição dos 117 comboios para a CP, veio agora o Governo, para ter algo para mostrar, encomendar estudos para justificar a sua aquisição. Estudos que já foram feitos por quem os sabe fazer – a CP – mas onde se vão gastar 224 mil euros em mais uma adjudicação a duas consultoras externas.
E sem arrumar a própria casa, o Governo finge querer estender a CP para a casa dos vizinhos, Corunha e Salamanca. A CP não tem comboios suficientes para operar em Portugal, quanto mais em Espanha! São promessas ocas, sem sentido, que promovem a liberalização, e preparam a entrada em Portugal da operação da Renfe, espanhola e pública, e de outras operadoras.
Vejamos um exemplo do muito que está desarrumada a casa. Os governos do bloco central liberalizante criaram a empresa privada chamada Fertagus, que utiliza infra-estrutura pública e material circulante público, e financiaram-na com quase 200 milhões de euros públicos. Esta é hoje um obstáculo, uma autêntica rolha, à normal operação ferroviária no centro da Área Metropolitana de Lisboa, onde duas empresas operam o mesmo tipo de material circulante dividido em dois conjuntos, o que desde logo obriga ao dobro das reservas (comboios que estão parados, para permitir repor de imediato a oferta em caso de avaria de algum que esteja em operação) e impedindo a maximização da utilização do material circulante na linha mantida em exploração urbana exclusiva de um operador privado.
Esta situação bizarra no sistema ferroviário, para mais no centro de uma área metropolitana, que não ocorrerá em mais nenhuma grande cidade desenvolvida por esse mundo fora, até impede a operadora pública nacional de efectuar transporte urbano de passageiros no itinerário da Ponte 25 de Abril, constrangimento que como sabemos adia a resolução da sobrelotação verificada com o recente aumento da procura, que a operação da CP rapidamente resolveria.
Sem solucionar a falta de comboios, sem avançar com a integração da Fertagus na CP, sem resolver as dificuldades com a contratação de ferroviários por falta de valorização das suas carreiras, incapaz de cumprir um plano, o que o Governo é capaz de fazer são mais planos e acenar com cenouras, com novas e velhas rotas... para amanhã.
Há mais de 30 anos que o nosso sistema ferroviário é fustigado com medidas avulsas e liberalizantes. Apesar do fracasso da liberalização estar aí, à vista de todos, a resposta é sempre a mesma: mais liberalização. Não é fácil encontrar um técnico ferroviário que não reconheça esse fracasso e que temos hoje um sistema ferroviário debilitado, impedido de renovar e ampliar a frota de material circulante, desindustrializado, fragmentado ou mesmo pulverizado.
Precisamos de uma política e de um governo que faça o que faz falta para que Portugal possa concretizar um plano ferroviário: desbloquear a aquisição de comboios e a contratação de pessoal para a CP, reindustrializar e reunificar o sector ferroviário, a fim de voltar a ter escala e estrutura com saberes integrados para, com base em decisões soberanas, servir o País.
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