|Protecção Civil

Que proteção civil?

É imperativo promover uma sólida reflexão sobre o sistema de proteção civil que o País possui, identificar as suas vulnerabilidades e definir um plano de ação a médio prazo, neste domínio.

Um encontro sobre «Voluntariado em Proteção Civil», no âmbito do programa Setúbal Resiliência +, decorreu na Casa da Baía, em Setúbal, a 22 de Fevereiro de 2019
Créditos / Câmara Municipal de Setúbal

Há hoje a consciência de que o conceito de Segurança sofreu alterações profundas. A segurança deve ser atualmente entendida numa perspetiva mais abrangente, associada à existência de três pilares:

- Pilar da Defesa Nacional relacionado com a segurança externa;

- Pilar da Segurança Interna relacionado com a atuação das Forças e Serviços de Segurança e ligado à garantia e proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;

- Pilar da Proteção Civil associado à ideia de Segurança Comunitária, face aos riscos.

As crises humanitárias, os desastres naturais, os ciberataques, entre outras ameaças, impõem um novo sistema valorativo da Segurança, no qual se insere a Segurança Comunitária. É neste contexto que se enquadra a Proteção Civil. Pela sua dimensão permanente, multidisciplinar e plurissectorial, ela constitui um domínio da responsabilidade política transversal do Estado, tanto ao nível central como local.

«As crises humanitárias, os desastres naturais, os ciberataques, entre outras ameaças, impõem um novo sistema valorativo da Segurança, no qual se insere a Segurança Comunitária. É neste contexto que se enquadra a Proteção Civil.»

Os desafios contemporâneos impõem um sistema de proteção civil inovador, desburocratizado e assente num pensamento estratégico.

Ao longo dos últimos 30 anos, o sistema português de Proteção Civil foi objeto de várias experiências legislativas e organizacionais, fundamentalmente inspiradas pela sucessão de governos ou pela eclosão de ocorrências extremas.

Depois do ciclo dos primeiros cinco anos deste século, marcado por ocorrências de particular impacto – do colapso da Ponte Hintze Ribeiro, em março de 2001, aos incêndios florestais de 2005 –, no período de 2006-2007 foi concretizada uma reformulação do sistema de proteção civil, com um novo ordenamento jurídico e um modelo integrado de organização, desenvolvido e plasmado na Lei n.º 27/2006 de 3 de julho, que aprovou a Lei de Bases da Proteção Civil.

A proteção civil passou a ser designada como «a atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais, pelos cidadãos e por outras entidades públicas e privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram».

Nesta definição podemos encontrar justificação para uma formulação, embora simplista, bastante esclarecedora dos fins do sistema: proteção civil, por todos, com todos, para todos.

A proteção civil ganhou mais espaço na agenda dos eleitos, em especial ao nível das responsabilidades dos órgãos municipais. Estes últimos passaram a ter um quadro legal específico, que estabeleceu o «Enquadramento Institucional e Operacional da Proteção Civil no âmbito Municipal, Organização dos Serviços Municipais de Proteção Civil e Competências do Coordenador Municipal de Proteção Civil».

A implementação de um modelo constitui uma atividade contínua que obedece a uma sequência de ciclos de aprendizagem e de lições resultantes de sucessivas crises. Este processo contraria o experimentalismo irresponsável que tem caracterizado o sistema português de proteção civil, ao longo de muitos anos.

Na legislatura anterior e na que está em curso, o caminho escolhido para a ação governativa tem sido marcado por uma nova alteração parcial do modelo sistémico existente, desta vez influenciada pela catástrofe dos incêndios rurais de 2017.

«A implementação de um modelo constitui uma atividade contínua que obedece a uma sequência de ciclos de aprendizagem e de lições resultantes de sucessivas crises. Este processo contraria o experimentalismo irresponsável que tem caracterizado o sistema português de proteção civil, ao longo de muitos anos.»

O mais recente exemplo desta instabilidade conceptual e legislativa é a recente alteração da orgânica da ANEPC, com a substituição dos seus serviços distritais por serviços regionais e sub-regionais, com o único objetivo de alinhar as áreas de jurisdição das novas unidades orgânicas com as CIM, implicando um significativo aumento dos custos de estrutura, sem que desta alteração resulte qualquer mais-valia operacional ou de racionalidade sistémica, apenas justificada pela obtenção de escala para aceder a fundos comunitários.

Mais importante do que insistir na histeria legislativa que tem imperado no sistema de proteção civil, impõe-se que a decisão política se foque em alguns objetivos específicos, de natureza prioritária, em particular no patamar municipal, uma vez que é neste nível que reside a principal debilidade do sistema de proteção civil no nosso País.

Sem se criarem condições para fortalecer a base do sistema, será uma missão inglória pretender melhorar a eficiência de todo o seu restante «edifício» institucional. Esta é uma evidência reconhecida por muitos, embora ainda com insuficientes consequências práticas.

Deste modo, uma estratégia política consistente alicerçada num conceito estratégico de proteção civil implica necessariamente:

a) reforçar os serviços municipais de proteção civil, dotando-os de adequada organização e de recursos humanos qualificados;

b) promover estratégias de envolvimento da população na construção da sua resiliência;

c) definir uma consistente informação pública sobre os perigos identificados no território;

d) dinamizar uma reorganização do setor operacional dos Bombeiros, enquanto pilar do sistema de proteção civil, bem como definir um quadro de financiamento das associações humanitárias de bombeiros, na qualidade de entidades detentoras de corpos de bombeiros;

e) instituir medidas de valorização e dignificação dos profissionais ao serviço do sistema, nomeadamente os Bombeiros e os Técnicos de Proteção Civil;

f) apoiar o investimento em investigação aplicada no domínio dos riscos, entre outros.

Estes são alguns domínios instrumentais que não dependem de mais ou menos legislação, mas apenas das escolhas políticas, quanto às prioridades de ação que garantam e potenciem a proteção das comunidades e o seu qualificado desenvolvimento.

«Urge dotar o sistema dos necessários meios de concretização dos seus desígnios, nomeadamente meios humanos qualificados, dignificados e motivados.»

É imperativo promover uma sólida reflexão sobre o sistema de proteção civil que o País possui, identificar as suas vulnerabilidades e definir um plano de ação a médio prazo, neste domínio.

Urge dotar o sistema dos necessários meios de concretização dos seus desígnios, nomeadamente meios humanos qualificados, dignificados e motivados.

Este objetivo só poderá ser atingido anulando gradualmente o empirismo na produção de decisões, substituindo-o pelo conhecimento sustentado, devidamente articulado com a experiência, garantindo a participação ativa de todos os intervenientes, através dos seus legítimos representantes.

Importa ainda tipificar lideranças, através da definição de perfis ajustados ao grau de exigência dos correspondentes cargos, estabilizando as pessoas no exercício da sua missão.

É tempo de emancipar a proteção civil no contexto da segurança interna, dando-lhe a devida atenção, envolvendo os órgãos de soberania, as autarquias e os cidadãos, e apetrechando-a de políticas públicas responsáveis, esclarecidas e executadas com competência e coerência sistémica.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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