Recentemente, a Fectrans deu a notícia de que a CarrisBus iria ser reintegrada na Carris. Na Comunicação Social Dominada, entretida com a criação de uma realidade virtual, esta notícia passou naturalmente desapercebida. Até para os mais atentos a sua importância pode ter passado desapercebida. Façamos pois o breve historial deste processo.
Em 2005, os sectores oficinais da Carris são arrancados da Carris e colocados numa empresa detida pela Carris, a CarrisBus. Esta medida, que contou com a justa resistência dos trabalhadores da Carris, tinha quatro objectivos:
– Dividir os trabalhadores da Carris, enfraquecendo a sua unidade e capacidade de luta;
– Enfraquecer as estruturas unitárias da Carris, que tinham particular organização e força nas oficinas;
–Aumentar a exploração dos trabalhadores das oficinas (separando-os do Acordo de Empresa (AE) da Carris e impondo uma precariedade que reduzisse o preço da força de trabalho);
– Preparar uma futura privatização da CarrisBus.
A criação da CarrisBus trouxe consigo a precarização das relações de trabalho, numa primeira fase com a passagem dos trabalhadores oficinais da Carris para o regime de contratos de cedência, e, numa segunda fase, com a contratação de novos trabalhadores, onde, por ausência de Contrato Colectivo, passou a ser o Código do Trabalho o instrumento de regulação das relações de trabalho. Deu-se a maior ruptura geracional da história da Carris, através de rescisões, sempre impostas, mesmo quando voluntárias, colocando em causa a transmissão do conhecimento, o «saber-fazer».
Os primeiros anos foram de luta intensa, construída com processos de resistência notáveis, com trabalhadores que se recusaram a aceitar a transferência «voluntária» e por isso sofreram represálias, processos de despedimento e discriminações várias. Heróis de um tempo que se finge sem heróis. Ao mesmo tempo, a «nova» empresa encontrava-se sem estrutura unitária organizada, que havia que organizar, construindo um Caderno Reivindicativo para a nova realidade. Um caderno reivindicativo que, nunca deixando de colocar à cabeça a reintegração na Carris, apontava o objectivo de um AE para a CarrisBus e de melhorias salariais e nas condições de trabalho.
«A criação da CarrisBus trouxe consigo a precarização das relações de trabalho, numa primeira fase com a passagem dos trabalhadores oficinais da Carris para o regime de contratos de cedência, e, numa segunda fase, com a contratação de novos trabalhadores (...).»
O processo de privatização de 2015 trouxe uma importante novidade: o Governo assumia que para privatizar era necessário reintegrar a CarrisBus na Carris. Ou seja, assumia que o racional era fazer o oposto daquilo que os sucessivos Governos tinham imposto à Carris. A gigantesca luta que foi travada contra a privatização da Carris (e do Metropolitano de Lisboa) viria a criar as condições para a reversão do processo de privatização da Carris, em 2015, na sequência da derrota eleitoral do Governo PSD/CDS.
O Governo PS decidiu então avançar para a municipalização da Carris, uma decisão que o PCP só acompanhou quando foi colocada uma cláusula anti-privatização, «Sob pena de nulidade dos actos praticados, o município de Lisboa não pode, a qualquer título, proceder à alienação do capital social da Carris, ou das sociedades por esta totalmente participadas, nem à concessão total ou parcial da respectiva rede a entidades que não sejam de direito público ou de capitais exclusivamente públicos.» Uma cláusula que na altura alguns tentaram desvalorizar (e outros atacar), mas que hoje objectivamente impede, quer a privatização da Carris, quer a privatização da CarrisBus.
É ainda na sequência deste processo – derrota da privatização e municipalização – que os trabalhadores da CarrisBus vão conquistar o seu primeiro Acordo de Empresa, melhorando as suas condições de trabalho, e mantendo, sempre, a reivindicação da reintegração na Carris.
Quando, em 2019, os vereadores do PCP propõem formalmente ao município a reintegração da CarrisBus na Carris, alertam que «aos trabalhadores oficinais ainda se aplicavam três regimes laborais diferenciados:
– O AE da Carris aos poucos que permanecem exclusivamente como trabalhadores da Carris e aos trabalhadores que recentemente foram admitidos para a Carris para a área de manutenção da via;
– O AE da Carris, em conjugação com os contratos de cedência, em relação aos trabalhadores da Carris que foram «temporariamente» cedidos à CarrisBus;
– E o Acordo de Empresa da CarrisBus aos trabalhadores diretamente admitidos para esta.»
Demoraria ainda mais cinco anos de luta para que a Câmara Municipal de Lisboa acabasse por aceitar concretizar a reintegração da CarrisBus na Carris, que é o reconhecimento de que os trabalhadores sempre tiveram razão, e que a Carris não existe sem a sua parte oficinal.
Um processo de 20 anos que demonstra – uma vez mais – que vale sempre a pena lutar.
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