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O chouriço de Pires de Lima

As PPP não passarão a dar lucro. A questão é que, ao terminarem os contratos de concessão, os resultados positivos da gestão das auto-estradas passam do privado para o Estado

Créditos / CGTP-IN

Há um mês, com grande destaque no Expresso, Pires de Lima, o presidente da Brisa, denunciava o escandaloso facto de esta ter colocado à disposição do Governo «1,35 mil milhões para investir até 2035» e de tão extraordinária oferta não se concretizar devido à burocracia e atraso nas respostas por parte do governo.

E o Expresso, apologético, prossegue com a denúncia exemplificando que «a Brisa aguarda há cinco anos luz verde da Comissão de Reequilíbrio Financeiro e do Governo para avançar com um investimento de algumas centenas de milhões que poderia alterar radicalmente a mobilidade (e a sustentabilidade ambiental) da A5, uma das principais vias rodoviárias de acesso a Lisboa que liga a cidade a Cascais. Mas, explica António Pires de Lima, em entrevista ao Expresso, não começaram ainda sequer a ser feitos os estudos e planos necessários para avançar com o investimento...»

Qualquer pessoa avisada, quando ouve um capitalista dizer que tem um chouriço para nos oferecer, questiona-se imediatamente: «onde está a vara de porcos que nos quer levar?» Não no Expresso, claro. Nenhum questionamento, nada. O jornalista e o seu editor olham embevecidos para Pires de Lima e a sua extraordinária oferta, e percebemos a ternura, o encanto, o espanto com que sussurram... um chouriço, que belo e saboroso chouriço nos quer dar... fossem todos os capitalistas assim, e estivesse o governo aberto a receber este chouriço, e que belo seria o nosso futuro...

A publicação do Relatório do Orçamento do Estado veio trazer-nos números que ajudam a explicar a pressa de Pires de Lima e onde anda a vara de porcos que quer receber. O quadro seguinte é o das despesas com parcerias público-privado (PPP) rodoviárias até 2035. E ali está a vara de porcos: as despesas com PPP rodoviárias descerão de 1105 milhões de euros em 2023 para 40 milhões de euros em 2035.

Ano2023202420252026202720282029203020312032203320342035
Despesa Prevista com PPP Rodoviárias1105100263064916232826924027616611210040

Por outras palavras: acaba-se o bodo das concessionárias. Isto porque a maioria dos contratos de concessão terminam neste período, e em 2036 as actuais concessões passariam a dar um saldo positivo ao Orçamento do Estado.

E é por isso que Pires de Lima se passeia de chouriço na mão, pelas capas dos jornais, mostrando o que tem para oferecer. Ele precisa desesperadamente de manter o escandaloso fluxo financeiro que hoje lhe escorre para os bolsos a partir do Orçamento do Estado. Ora, para manter esse fluxo, e tendo em conta que em Portugal já cabem poucas auto-estradas mais, a Brisa precisa de prolongar contratos de concessão.

«Ele precisa desesperadamente de manter o escandaloso fluxo financeiro que hoje lhe escorre para os bolsos a partir do Orçamento do Estado.»

Mas, para prolongar os contratos de concessão, a Brisa precisa de um parceiro disposto a alinhar e de uma boa desculpa para esse parceiro apresentar perante o povo e os tribunais.

Em Cascais, a Brisa propôs-se reservar uma faixa para carros com mais de duas pessoas e para autocarros, e em troca só quer ficar com a concessão mais uma quantidade de anos. Em cada concessão estão a ser apresentadas propostas deste género. Veremos se o Governo tem a capacidade de resistir a tanta generosidade...

As PPP vão passar a dar lucro ao Estado?

Foi Fernando Medina, na apresentação do Orçamento do Estado, que disse que as PPP «passarão a dar lucro». Mas esta é uma outra forma de enganar o povo português.

As PPP não passarão a dar lucro. Os seus contratos terminam, e ao terminarem, a gestão das auto-estradas passa a dar resultados positivos ao Estado português. Repito: As PPP, ao acabarem, porque acabam os contratos de concessão, passam a dar ao Estado o lucro que hoje dão ao privado.

O que importa ter claro é que esses mil e cem milhões que deixam de ser gastos a cada ano dão uma extraordinária folga orçamental – já a partir de 2027 – para concretizar investimentos fundamentais para o nosso país. Por exemplo, no caso de Cascais, seriam suficientes para pagar várias vezes a modernização da linha ferroviária e para comprar os comboios necessários a um aumento da quantidade e qualidade da oferta.

Para isso, ou para comermos o chouriço do Pires de Lima, enquanto este continua a distribuir aos accionistas da Brisa, em dividendos, os muitos milhões a que estes já se habituaram.

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